O legado da Rio+20 vem da sociedade civil

O legado da Rio+20 vem da sociedade civil

Estamos em julho de 2012, data em que a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) completa 25 anos. Recém retornamos da Rio+20, onde a Apremavi participou ativamente das atividades na Cúpula dos Povos, estamos vivendo uma época de ambiguidades, por um lado, assistimos os maiores retrocessos ambientais dos últimos tempos, liderados pelo governo federal, por outro, vemos uma sociedade que clama por atitudes mais sustentáveis, embora ainda não assuma de fato seu papel na mudança necessária.

O documento oficial da Rio+20, evento que aconteceu no Rio de Janeiro em junho de 2012 para discutir o futuro da humanidade, retrata um pouco o momento atual, mostrando um cenário nada animador, afinal nada de concreto ficou definido. Tudo foi adiado para ser tratado pela Assembleia Geral das Nações Unidas e negociações futuras. Quem tiver a disposição de ler o longo e repetitivo texto com 283 parágrafos e 49 páginas, vai encontrar reafirmações de conceitos importantes e a descrição genérica dos novos passos que precisam ser dados no futuro próximo, mas não encontrará nenhuma decisão efetiva que tenha sido adotada e que poderia ser o legado da Rio+20.

No documento “A Rio+20 que não queremos”, as ONGs manifestaram aos chefes de Estado sua profunda decepção com o rumo das negociações e não subscreveram o documento final. Um dos trechos do manifesto das ONGs, que tem a Apremavi como signatária, diz: “O futuro que queremos não passa pelo documento que carrega este nome, resultante do processo de negociação da Rio+20. O futuro que queremos tem compromisso e ação – e não só promessas. Tem a urgência necessária para reverter as crises social, ambiental e econômica e não postergação. Tem cooperação e sintonia com a sociedade e seus anseios – e não apenas as cômodas posições de governos. Nada disso se encontra nos 283 parágrafos do documento oficial que deverá ser o legado desta conferência. O documento intitulado O Futuro que Queremos é fraco e está muito aquém do espírito e dos avanços conquistados nestes últimos 20 anos, desde a Rio-92. Está muito aquém, ainda, da importância e da urgência dos temas abordados, pois simplesmente lançar uma frágil e genérica agenda de futuras negociações não assegura resultados concretos”.

De fato o grande legado da Rio+20 vem da sociedade civil, que participou ativamente das mobilizações em prol de um futuro mais sustentável para nosso planeta. Para Edegold Schaffer, presidente da Apremavi, o evento oficial de fato não apresentou nenhuma novidade, mas a avaliação sobre a participação da Apremavi é bastante positiva: “Acho que a Rio + 20 serviu para consolidar o papel de liderança que a Apremavi exerce dentro do movimento ambientalista. Recebemos um grande destaque por parte da imprensa local e nosso estande foi visitado por pessoas de diversos estados, relatando que já conhecem e admiram o nosso trabalho. Outro fato marcante foram as manifestações públicas que aconteceram no centro da cidade do Rio de Janeiro, principalmente pelo grande número de pessoas que se juntaram às marchas, todas clamando por políticas ambientais mais sustentáveis”.

As atividades da Apremavi se concentraram no Aterro do Flamengo onde foi realizada a Cúpula dos Povos. Centenas de milhares de pessoas circularam no Aterro do Flamengo, representando cerca de 200 países, entre jovens e adultos das mais diversas culturas e etnias. A Apremavi esteve na Rio+20 com cinco representantes, participando de vários debates, mesas redondas e de manifestações públicas que aconteceram nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro. Merecem destaque o Seminário para Avaliação da Agenda Socioambiental da Rio-92 à Rio+20, oAto em Defesa das Florestas e as marchas “à Ré” e “dos Povos” que tiveram como objetivo chamar a atenção para os retrocessos ambientais que estão sendo promovidos pela atual gestão do governo federal, em especial as mudanças no Código Florestal.

No estande foram divulgadas, entre outras, as atividades do Viveiro de Mudas Nativas “Jardim das Florestas” e distribuídos materiais de Educação Ambiental. Milhares de pessoas passaram pelo estande, gerando inúmeros contatos para novos intercâmbios e trabalhos conjuntos. A Apremavi participou também do seminário “Forests: the Heart of a Green Economy”, onde foi feito o lançamento da publicação “Silvicultura e Biodiversidade”, do Diálogo Florestal e do seminário “Conflitos e Desafios Socioambientais na Mata Atlântica”, evento que também comemorou os 20 anos da Rede de ONGs da Mata Atlântica, da qual a Apremavi é fundadora. Com o fracasso da conferência oficial, a sociedade civil espera que a Rio+20 seja no mínimo um marco na mobilização por um mundo melhor.

Grasiela Hoffmann, secretária executiva da Apremavi, ficou contagiada com a energia e força da população nas mobilizações, ela destaca: “Para mim, participar da Rio + 20 foi uma experiência maravilhosa. Poder presenciar de perto a força que um povo unido tem. O que mais impactou foi a manifestação com mais de 80 mil pessoas. É incrível ver a quantidade de pessoas lutando pela mesmo objetivo em busca de melhorias de qualidade de vida para todas as pessoas. Também acho que para a Apremavi foi um momento histórico onde a entidade teve a oportunidade ímpar de mostrar o seu trabalho”.

Já para a Coordenadora de Projetos da Apremavi, Edilaine Dick, participar da Cúpula dos Povos foi um processo enriquecedor, pessoal e profissionalmente: “Se existem diferenças de ideais entre os povos, essas se amenizam quando todos caminham juntos em busca de um mundo melhor, como na Marcha Ré e na Marcha em Defesa dos Bens Comuns, aonde recarregamos nossas energias para superar os desafios que vem pela frente”.

Para quem, como eu, participou da Rio-92, participar da Rio+20 significou um misto de emoções. Por um lado, a alegria de novamente poder compartilhar ideais e reafirmar compromissos por um desenvolvimento de fato sustentável, com milhares de pessoas que estavam no Rio de Janeiro com o mesmo objetivo, por outro, a tristeza e decepção de ter que participar deste importante evento para denunciar os grandes retrocessos ambientais que estamos vivendo. Resta a esperança de que a mobilização da sociedade, em especial dos jovens, que está cada vez mais forte, seja capaz de virar este jogo.

Falar de Flor

Falar de Flor

Artigo de Marina Silva, publicado na Folha de São Paulo em 29 de junho de 2012.

 

“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.”

Após o paralisante “nada a declarar” de líderes mundiais na Rio+20, é preciso muita poesia para manter a persistência que -como diz o apóstolo- produz a esperança. E então a acidez singela da poesia de Drummond veio em socorro de minha fome poética. O genial poeta itabirano celebra o nascimento de uma flor na fresta do asfalto, superando a indiferença humana e o pesado invólucro da civilização.

Assim me sinto ao lembrar os intensos dias em que organizações civis e milhares de pessoas manifestaram, no Rio, sua indignada exigência de atenção perante os dirigentes de Estado reunidos na conferência da ONU. Gente de todos os continentes, de jovens ativistas de grandes cidades a líderes de pequenas comunidades indígenas, dando demonstrações criativas, como a “Marcha a Ré” que parou o Rio, de que o mundo quer viver.

Infelizmente, a conferência oficial não ouviu isso. E o poema de Drummond me revela sua dimensão profética, que, feitas as contas, pode ser válida até a Rio+40 se predominar a desdita ambiental das necessidades presentes: “Depois de quarenta anos,/e nenhum problema resolvido, sequer colocado./Nenhuma carta escrita nem recebida./Todos os homens voltam pra casa”.

Mas o desafio dos que voltam para casa, décadas após décadas de “Rio+” que se somam sem subtrair os problemas, é extrair a “esperança mínima” de que fala o poeta, para não cair no vazio da queixa que paralisa até os jovens, cuja natureza é andar:

Andar à frente,
andar ao lado,
de marcha a ré e atravessado,
enveredando pelo futuro,
no chão dos rastros deixados“.

Desde a retomada da democracia vemos o florescimento de movimentos sociais antes abafados pelo autoritarismo, com um ideário amplo que antecipava o novo milênio. Essa é a flor que agora irrompe no asfalto. Sua delicadeza denuncia as rachaduras do sistema que já não consegue impedi-la de brotar.

Chegou a hora de a sociedade tomar iniciativas próprias, buscar autonomia e independência. Sem recusar nem desconhecer a política e o Estado, ir além deles e fazer mudanças na vida com a noção ampla de um novo contrato natural -pois inclui os demais seres vivos e ecossistemas-, não só um contrato social. Conseguiremos? Estamos maduros para o que o tempo nos exige?

Aqui se revela a necessidade da utopia, que ultrapassa as ilusões limitantes do pragmatismo e reafirma a força da esperança, sem a qual não há futuro. No fim das contas -Drummond sabia-, é a poesia que faz brotar a flor.

A sociedade clama por um mundo melhor

A sociedade clama por um mundo melhor

Enquanto os resultados na conferência oficial tem se mostrado bastante pessimistas, com a geração de um documento fraco e sem ambição, na Cúpula dos Povos a movimentação das ONGs está intensa na esperança de mobilizar a sociedade e os governos para a implantação de ações que possam dar um rumo diferente ao planeta. Centenas de milhares de pessoas já circularam no Aterro do Flamengo, representando mais de 200 países, entre jovens e adultos das mais diversas culturas e etnias.

A Apremavi está na Rio+20 com 5 representantes, participando de vários debates, mesas redondas e de manifestações públicas que acontecem nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro. Algumas das atividades já foram noticiadas aqui como o seminário com a avaliação da agenda socioambiental da Rio-92 à Rio+20 e o Ato em defesa das florestas. Além dessas, no dia 18 participamos da “Marcha à Ré”, que foi uma mobilização para chamar atenção para os retrocessos na agenda socioambiental que estão sendo promovidos pela atual gestão do governo federal e no dia 20 participamos da “Marcha dos Povos” onde os ambientalistas chamaram a atenção para a situação das mudanças no Código Florestal.

No estande estão sendo divulgadas, entre outras, as atividades do Viveiro de Mudas Nativas “Jardim das Florestas” e distribuídos materiais de Educação Ambiental. A movimentação no estande tem sido muito intensa, milhares de pessoas já passaram pelo estande, gerando inúmeros contatos para novos intercâmbios e trabalhos conjuntos.

Dentre os eventos, ainda podemos destacar a participação da Apremavi no seminário “Forests: the Heart of a Green Economy”, realizado no dia 18 de junho, durante o qual foi feito o lançamento da publicação “Silvicultura e Biodiversidade”, quarto volume da série Cadernos do Diálogo, do Diálogo Florestal e o seminário “Conflitos e Desafios Socioambientais na Mata Atlântica” que ocorreu no dia 20 de junho, evento que também comemorou os 20 anos da Rede de ONGs da Mata Atlântica. Num ato simbólico também foi feito o pré-lançamento do vídeo Matas Legais, do programa de mesmo nome que a Apremavi tem com a Klabin. O lançamento oficial do vídeo deve acontecer em breve no Paraná e em Santa Catarina.

A conferência oficial encerra dia 22, mas as atividades da Cúpula dos Povos irão até o dia 23. O encontro quer que os temas discutidos na Rio+20 não fiquem só no papel, mas se transformem em práticas sociais.

A Carta Roubada

A Carta Roubada

Artigo de Marina Silva publicado na FSP (Folha Opinião) em 01 de junho de 2012.

 

O Brasil não tem mais um Código Florestal, mas uma confusão jurídica. Um amontoado de remendos cuja função é semelhante à de uma pinguela, uma ponte improvisada no tronco de uma árvore abatida, para atravessar o período da Rio+20. Depois, o empenho em destruir a legislação ambiental certamente prosseguirá.

A versão: apesar de já ter o texto do novo Código “Florestal”, o governo só o mostrou três dias depois da pomposa entrevista ministerial. Todos, inclusive jornalistas, às cegas, com acesso só à versão, feita em PowerPoint, de que a presidente Dilma chancelou (em alguns aspectos até piorou) o texto, ao arrepio da palavra empenhada, em “respeito ao Congresso e à democracia”.

Só que os fatos, mesmo quando distorcidos, estarão sempre, como na carta roubada de Edgar Allan Poe, bem ali, no lugar onde se imaginava tê-los escondido.

Quatro dias depois, não no porta-cartas, mas no “Diário Oficial”, estavam as inúmeras maldades da caixa de Pandora, sempre indiferente ao futuro, na velha porção ruralista: anistia aos desmatadores e incentivo a novos desmatamentos. Exigências abaixo do mínimo aceitável cientificamente de proteção aos topos de morros, encostas, veredas, apicuns, margens de rios, manguezais etc.

Está sendo abolida, na prática, a função social da propriedade e o direito dos brasileiros a um ambiente saudável. Os donos da terra são agora donos do ar, das águas, da fauna e da flora, para delas dispor como bem entender a lei do mais forte, que fizeram prevalecer.

Em troca, devem apenas evitar comemorações públicas, fingir contrariedade aceitando os vetos parciais e criticar os “radicais” ambientalistas, que não querem sorrir para a foto. Estes apenas alertam para a verdade simples: nem tudo pode ser objeto de negociação política. Se uma nascente, para não secar, precisa de certa quantidade de vegetação ao seu redor, como podem parlamentares decidir que não?

O Brasil será, enquanto não recuperar o bom-senso nessa área, uma terra sem lei. A violência recrudesce e não se passa uma semana sem um assassinato no campo ou na floresta. A discussão do código concentrou-se em anistiar ou não quem desmatou, se até 2008 ou antes, se deveriam ou não reflorestar, se toda a área ou só uma parte etc. Resumindo, em que medida legalizar os crimes ambientais. E o pior, o acordo político decidiu que a ilegalidade ambiental compensa.

Vamos agora à Rio+20 com o governo exibindo ao mundo os bons frutos da queda do desmatamento, obtidos com a lei que está sendo abolida.

Mas há uma falha, no mundo como no Brasil, nesse sistema: a natureza não o obedece. E a sua versão será o futuro real, a palavra final, a lei que “pega” e que pune.

Áreas de plantação permanente

Áreas de plantação permanente

Com o “novo” Código Florestal as Áreas de Preservação Permanente viraram áreas de plantação permanente. Marcio Santilli explica.

 

O Código Florestal que vigorou até a última sexta-feira contemplava a figura das APPs – Áreas de Preservação Permanente. Ela se prestava à proteção das áreas mais sensíveis do ponto de vista florestal: nascentes, beiras de rios, áreas úmidas, inundáveis, ou com alta declividade e sujeitas a desabamentos, topos de morro, manguezais.

A lei promulgada para substitui-lo, já remendada por uma Medida Provisória, segue falando em APP, mas não como área destinada à proteção da biodiversidade, das águas, do solo ou à recuperação florestal. Dela poderão ser feitos vários usos, mesmo que sabidamente incompatíveis com a sua conservação. De “preservação permanente” só restou o nome, como exercício de dissimulação.

O Código revogado atribuía a todos responsabilidades similares e proporcionais: faixa mínima de 30 metros de floresta nas margens de rios, percentual mínimo de 20% de reserva legal para todos, de modo que quem tem muita terra teria mais área a proteger. A nova lei cria várias diferenças entre os que deveriam ser iguais: quem cumpriu a lei anterior e manteve a cobertura florestal das áreas previstas terá que mantê-la sob a nova lei. Mas só excepcionalmente terão que ser reflorestadas as áreas de mesmo tipo anteriormente desmatadas, mesmo que de forma flagrantemente ilegal.

Além disso, haverá propriedades, até quatro módulos fiscais, isentas de recuperar reservas legais. Todas passarão a computar as áreas de “preservação permanente” no percentual de reserva legal, de modo que só excepcionalmente ocorrerá recuperação efetiva de reservas legais. O cômputo e a aferição de diferenciadas responsabilidades florestais tornará quase impossível o controle pelos órgãos ambientais do efetivo cumprimento da lei.

Ao apor seus vetos à lei votada pelo Congresso, inclusive ao dispositivo que fragilizava a proteção das APPs, a presidente repôs, por meio da referida medida provisória, a discussão sobre a extensão mínima das matas ripárias a ser recuperada, também estabelecendo tratamentos diferenciados: 30 metros para propriedades maiores e de 15 a 5 metros para as menores, podendo chegar a nada se houver mais de 10% da extensão da propriedade já protegida a outro título.

Mas a grande surpresa da nova MP é que, agora, fica liberada a plantação de espécies exóticas para a recuperação de APPs em propriedades de até quatro módulos. Aplicadas todas as liberalidades da nova lei, se restar algo a recuperar, basta plantar eucaliptos ou pinus. Uma área de exploração permanente.

Assim, a discussão sobre extensão de APP que prosseguirá no Congresso, em vista da edição da MP, será retomada em outro patamar: qual a extensão da plantação de eucalipto que cada um terá que fazer sobre suas nascentes e margens de rios para ficar de acordo com a lei?

Todos já sabíamos que a sensibilidade da presidente Dilma para com as questões socioambientais estava abaixo da média nacional. Se é isto que ela introduz, de moto próprio, em uma lei já detonada pelo Congresso sob protestos da população, às vésperas de uma Rio+20, o que esperar do resto do seu governo?

Eletroveto

Eletroveto

Análise de Marcio Santilli, publicada originalmente no site do ISA.

 

Além de ceder aos ruralistas… é sempre bom lembrar o setor de origem da presidente…isso deve explicar o “eletroveto”.

O processo de revisão do Código Florestal tem sido muito revelador do caráter predatório intrínseco à elite política do país. Pena que o preço foi a destruição de uma lei florestal razoável, com a promulgação de outra, na última sexta-feira, que reduz e limita o espaço florestal nas partes mais desmatadas do território nacional.

Com 12 vetos, na sua maior parte de caráter secundário, a presidente Dilma promulgou a lei de anistia florestal votada pelo Congresso à revelia da grande maioria da população brasileira. Editou, também, uma medida provisória, repondo nas mãos do Congresso a decisão sobre a extensão mínima das matas ripárias e outras áreas de preservação permanente que, supostamente, ainda terão que ser repostas.

O que aqui se pretende enfocar é apenas um desses vetos, incidente sobre o artigo 43 da lei aprovada pelo Congresso, que estabeleceria a obrigatoriedade das empresas concessionárias do setor energético investirem 1% da sua receita líquida na proteção das florestas situadas nas bacias hidrográficas em que se situam os seus empreendimentos, especialmente para a recuperação de matas ciliares.

Tratava-se de um dos poucos artigos “do bem” constantes da proposta do Congresso e o único que estabelecia uma fonte concreta de recursos para a recuperação florestal. Destaque-se que não se tratava de nenhuma caridade do setor elétrico para com as florestas, mas uma providência óbvia para a saúde hídrica das próprias bacias por ele exploradas, ampliando a vida útil dos reservatórios, reduzindo os prejuízos indiretos causados pela erosão, inclusive quanto à perda futura de fertilidade das terras.

A justificativa do veto presidencial afirma que obrigar as concessionárias a investir 1% na saúde ambiental das regiões que exploram seria uma violação do “interesse social”, pois obrigaria as empresas a aumentarem a tarifa da energia cobrada dos consumidores. Não passou pela cabeça da presidente que este investimento estaria cobrindo parte dos danos ambientais que os próprios empreendimentos do setor geram para o conjunto da sociedade. Ou que, assim como os proprietários pequenos e grandes, e a sociedade como um todo, tem parte da responsabilidade pela proteção as florestas, as grandes hidrelétricas, que também se valem do espaço florestal para a sua atuação, também deveriam tê-la.

Esse veto específico é um bom indicador do grau de prioridade que a nossa presidente atribui à proteção das florestas e, também, da natureza dos interesses que ela se propõe a representar como presidente.

Vale lembrar que o deputado Paulo Piau, último relator detonador do Código Florestal na Câmara dos Deputados, sobre cujo deplorável trabalho a presidente apôs os seus vetos, foi autor de uma lei estadual que instituiu incentivo similar à proteção das florestas em Minas Gerais, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelos tribunais quando questionada pelas concessionárias locais. No caso, foi cunhado pela direita pelo veto presidencial.

Cumplicidade com o atraso

Cumplicidade com o atraso

Artigo de Raul Silva Telles do Valle, publicado originalmente no site do ISA, explica em detalhes porque a aprovação do “novíssimo” Código Florestal significa um atraso e uma quebra de promessa da Presidente Dilma.

 

Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País.

A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).

A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.

Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.

O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.

Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?

A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.

A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.

A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).

Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.

Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.

Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.

O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?

O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.

O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).

O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).

Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.

E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.

Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.

Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.

Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

Cumplicidade com o atraso

Texto sancionado por Dilma mantém anistias e muito mais…

A impressão após a primeira leitura do código do desmatamento sancionado pela presidente Dilma, mais a Medida Provisória, é péssima:

a) manteve anistia de Reserva Legal até 4 módulos;
b) criou APPzinhas de 5 e 8 metros para qualquer tipo de rio, a partir do leito regular,inclusive rios como o Amazonas, São Francisco, Uruguai, Paraná, etc, etc…
c) limitou a recuperação de APP a 10% dos imóveis…
d) Acabou com qualquer proteção (APP) para nascentes e rios intermitentes… pelo visto não se preocupam o problema da seca e com as pessoas que moram no semi-árido nordestino onde as nascentes e primeiros Km dos rios são intermitentes…
e) retirou a obrigatoriedade do governo de criar programas de incentivo a recuperação, inclusive para os pequenos…
f) Pasmem, vai permitir a recuperação das APPzinhas de 5, 8, 15, 30m com pinus, eucalipto, café, etc….espécies exóticas…isso é mais permissivo do que o previsto para recuperação de RL onde diz que pelo menos 50% tem que ser com nativas…
g) manteve a dispensa de APP para reservatórios antigos de hidrelétricas e represas de abastecimento….um absurdo…
h) manteve o “papel de pão” para comprovar direito adquirido de desmatar APP e RL…
i) voltou a autorizar a ocupação de 10 e 35% de salgados e apicuns, além de consolidar tudo o que já existe de ilegal nessas áreas….
j) manteve o nível regular do rio como ponto de referência para autorizar novos desmatamentos em APPs em regiões preservadas. O leito regular para medir APPs deveria ficar restrito para recuperação de áreas já degradadas mas com metragens minimamente decentes…
l) manteve a dispensa de APP para lagos naturais até 1 ha de lâmina d’água;

O que fizerem é uma mistura de desconhecimento técnico e má fé, aliado à estratégia mentirosa de comunicação e marketing.

Floresta faz a diferença.

 

Autores: Wigold B. Schäffer e Miriam Prochnow.

Dilma, vete tudo que o Brasil garante

Dilma, vete tudo que o Brasil garante

Artigo de Marina Silva pedindo o veto total à presidente Dilma. Publicado originalmente no Terra Magazine.

 

Se aproxima o momento de uma decisão de consequências profundas para o Brasil. Como se posicionará a presidente Dilma diante do projeto aprovado no Congresso e impropriamente chamado de Código Florestal? Ele é, de fato, um documento que atesta a imaturidade de uma parcela do agronegócio para lidar com o desafio de produzir sem degradar o meio ambiente. Imaturos, porém, poderosos. Tanto que conseguiram aprovar o seu código, não o da sociedade brasileira. Transformaram o que deveria ser um marco legal de proteção das nossas florestas em uma coleção de permissividades e buracos normativos para que por eles passem interesses imediatos e a acomodação de ilegalidades.

Mas se esses setores não migraram ainda para uma relação mais atualizada com a sociedade e a nação – fincando pé na maximização a qualquer custo de seu negócio, acima de quaisquer outros valores coletivos mais perenes –, diferente é, e deve ser, o compromisso do Estado, bem como diferente deve ser a postura estadista de um/uma presidente da República.

A presidente Dilma, quando do segundo turno das eleições de 2010, antecipou seu compromisso com essa postura ao afirmar, em documento a mim enviado: “Sobre o Código Florestal, expresso meu acordo com o veto a propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação permanente, embora seja necessário inovar em relação à legislação em vigor. Somos totalmente favoráveis ao veto à anistia para desmatadores”, escreveu e assinou.

De lá para cá, esse compromisso não se traduziu no comportamento de sua base aliada, que não se esforçou para mediar adequadamente o debate entre as diversas opiniões existentes na sociedade sobre o tema. Ao contrário, passou ao largo de estudos e apelos feitos pela Academia Brasileira de Ciências, SBPC, Fórum de ex-ministros do Meio Ambiente, juristas, do Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, composto pelo movimento socioambiental e outras instituições e grupos da sociedade que demonstraram o risco de mudanças no Código Florestal, a reboque de razões puramente econômicas.

Na Câmara e no Senado, a chamada bancada ruralista, em que pesem todos os alertas e raras exceções, teve, praticamente, licença da base aliada para agir descartando contribuições que não as de seu próprio campo.

Dou meu depoimento pessoal do quanto nos esforçamos para que um verdadeiro debate e uma negociação legítima se desse no âmbito do Congresso Nacional, exatamente por compreender que não é bom que o Executivo estabeleça um confronto, seja com a sociedade, seja com o Congresso. Mas, infelizmente, o Congresso mostrou-se descompassado com a vontade social.

Agora, esse caminho faz uma enorme curva e retorna às mãos da presidente Dilma, que já admitiu publicamente, como candidata e no exercício de seu mandato, quando recebeu os 8 ex-ministros de Meio Ambiente em maio do ano passado, que isso não é aceitável.

Todos reconhecem as dificuldade provenientes de decisões difíceis como essa. Como já disse várias vezes, todos nós somos, ao mesmo tempo, arco e flecha. Arco para dar impulso aos demais; e flecha para agir, sustentado pelo arco, que nos mostra a direção.

A sociedade brasileira tem construído, com apoio de vários setores, um grande arco para impulsionar a posição da presidente numa direção estrategicamente mais viável para o país. E agora chegou a hora da presidente ser ela mesma, o arco e flecha a impulsionar o rumo de nossa história: se recuperamos democraticamente o direito de ver proposta e aprovada uma legislação florestal que vá além do poder de fogo de um único setor, ou se nos curvamos a um enorme equívoco, de graves consequências econômicas e socioambientais para o país.

O Código Florestal aprovado não resiste a uma análise séria e abrangente. Tanto aqueles que se envolveram na polêmica dos últimos anos – inclusive os ruralistas – sabem que não é passando o correntão na governança ambiental do país que se garantirá mais alimentos na mesa dos brasileiros, e tampouco serão protegidos os interesses estratégicos dos agricultores brasileiros. O que está em jogo são facilidades intoleráveis para quem se recusa a reconhecer que, acima de seus interesses, há um interesse nacional.

A grande aceitação e popularidade da presidente Dilma deve-se, em parte, à coragem que tem demonstrado. Como fez ao se contrapor às estratégias fatalistas dos países ricos em crise, para quebrar algumas barreiras que pareciam consolidadas e intransponíveis. Por que não mostrará agora o mesmo arrojo ao exercer seu direito constitucional de rejeitar o resultado de negociações exclusivistas e desastrosas no Congresso, que levaram a uma legislação contrária aos interesses do país, às expectativas da sociedade e ao compromisso que assumiu no segundo turno de 2010?

A presidente Dilma tem amplo respaldo para vetar todo o Código Florestal canhestro que lhe chegou às mãos. E, ao fazer isso, estará quebrando outro tabu: o de que as razões econômicas têm que se sobrepor à quaisquer outras, ao largo de valores de justiça social, de cidadania, de respeito aos diretos humanos e ambientais.

Está em suas mãos a grande responsabilidade de fazer a necessária inflexão histórica de um modelo de desenvolvimento superado para outro, que garanta algumas oitavas a cima em nosso atual padrão civilizatório.

Num mundo onde se sobrepõem várias crises e no qual o clube dos países ricos tenta se entender para superar suas enormes fragilidades e manter as rédeas da hegemonia global ainda com base na velha economia, a emergência de uma liderança política conectada com a agenda do futuro como solução duradoura e verdadeira é uma oportunidade que transcende ao Brasil, e a presidente Dilma não deveria perdê-la.

Para isso tem credibilidade e popularidade. Duas vantagens que não podem ter um fim nelas mesmas, como um apanágio pessoal do governante. Elas são uma espécie de licença generosa dada ao governante para agir não como mero refém das circustãncias, mas como estadista que consegue penetrar na esfera do sonho para torná-lo possível e assim fazer a diferença, surpreender.

Presidente, resista aos que pensam que ao pintar de verde-amarelo a devastação das florestas, estão defendendo os interesses da agricultura e da sociedade brasileira. Resista aos apelos para desconsiderar os alertas da ciência e da maioria do povo brasileiro e aos que esperam fazer crer à sociedade que recompor os termos do projeto do Senado representa uma boa solução.
Reabra o debate para, como numa eleição de dois turnos, tenhamos a chance de aprofundar o debate e votar novamente, como a senhora tão bem o pode experimentar.  Seu veto será uma espécie de segundo turno em uma eleição cujo candidato é o futuro do Brasil e de nossas florestas.
Em tempo: sugiro, presidente, que a senhora assista o documentário O Vale, de João Moreira Salles e Marcos Sá Correa. É uma obra que revela de modo contundente o mal que a sociedade brasileira clama para que a senhora evite.
Um código sem floresta

Um código sem floresta

Artigo da Marina Silva para O Estado de S. Paulo (28 de abril de 2012).

 

O Congresso brasileiro aprovou nessa semana um novo Código Florestal. As avaliações são unânimes em dizer que foi o maior retrocesso no arcabouço institucional das políticas socioambientais no Brasil desde a ditadura. Isso não é exagero ou retórica para um projeto que anistia os desmatamentos ilegais ocorridos até junho de 2008, com perdão das multas e desobrigação de recuperar o dano ambiental. Fez, está feito. Quem cumpriu a legislação, em vez de ser premiado, reconhecido, fica no prejuízo. Além disso, facilita a vida de quem quer continuar desmatando, abrindo brechas e exceções que permitem a redução das reservas legais e das áreas de preservação permanente e premiando o produtor que infringiu a legislação com acesso a crédito subsidiado do governo.

A principal justificativa é que precisamos aumentar a produção de alimentos para um mundo que já ultrapassou a marca de 7 bilhões de pessoas. Parece um objetivo nobre, mas a história não é bem assim. Basta lembrarmos que temos cerca de 200 milhões de bovinos no Brasil, que ocupam aproximadamente 200 milhões de hectares de terra. Uma produtividade de quase um boi por hectare, enquanto na vizinha Argentina esse índice chega a três bois por hectare. Estudos mostram que é possível dobrar a produtividade pecuária no Brasil a baixo custo, pois existe tecnologia acessível. Isso significa liberar 100 milhões de hectares, área bem maior que as ocupadas pela soja, cana, café, milho, arroz, feijão, batata, mandioca, etc, somadas.

Só esse exemplo mostra que é possível dobrar a produção sem derrubar um pé de árvore. É possível ainda expandi-la com a recuperação das áreas degradadas e abandonadas, que podem chegar a outros 100 milhões de hectares. Portanto, o que está em jogo não é a produção de alimentos, mas sim um modelo de desenvolvimento predatório, que maximiza o lucro no curto prazo e deixa para a sociedade um passivo ambiental gigantesco.

A escolha do Brasil se dá na encruzilhada da civilização. Não é possível ignorar os alertas da ciência para a realidade do aquecimento global e as drásticas mudanças no clima do planeta. Não podemos mais perder tempo com “bolhas” de prosperidade ilusória que custam os recursos de mil anos e se desfazem em menos de uma década. A encruzilhada da civilização é, sobretudo, de natureza ética.

A presidente Dilma terá que fazer a escolha: pactuar com esse modelo que gera degradação ambiental, privatiza o lucro e transfere os prejuízos para o restante da sociedade ou vetar o projeto e recolocar a discussão em outro patamar – o do desenvolvimento sustentável.

Vetar um projeto aprovado com o voto de boa parte da própria base parlamentar pode não ser uma situação confortável para a presidente, mas foi o próprio governo quem permitiu que ela chegasse a esse nível. Todos os relatores eram da base do governo e eram ruralistas confessos ou neorruralistas. O resultado não poderia ter sido diferente, tinha que dar num estrondoso retrocesso. Agora, entra em cena a “disputa” entre ruralistas e governo.

Já estão discutindo quais pontos podem ser vetados sem melindrar os interesses da bancada ruralista. Torcemos para que a presidente realmente cumpra sua promessa de campanha e não faça uma espécie de maquiagem legal apenas para não ficarmos tão ruim assim na foto da Rio+20. O que interessa é nosso futuro e essa foto será impossível de retocar caso o projeto seja sancionado.

O projeto anistia as áreas ilegalmente ocupadas até junho de 2008 nas matas ciliares, nas encostas de morros, em mangues, nas reservas legais de propriedades de até quatro módulos fiscais (que pode chegar a 440 hectares, dependendo da região do País) e muitas outras áreas sensíveis. A anistia está espalhada em inúmeros artigos e parágrafos ao longo de todo o projeto. Muitos deles não podem ser vetados sem, com isso, subtrair igualmente do texto importantes instrumentos de proteção ambiental. Isso porque em muitos casos a exceção está junto com a regra principal, que é boa. A presidente não pode vetar apenas parte de uma frase, somente toda ela.

Para cumprir sua promessa eleitoral, a presidente Dilma teria que vetar “propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação permanente”. Novamente nesse caso temos uma lista bem grande de vetos. Mas o que deveríamos estar discutindo não é nada disso. O Brasil é uma potência ambiental e poderíamos estar discutindo de que forma valorizar nossos ativos para construirmos um país justo, com geração de emprego de qualidade e renda sem degradação ambiental, investimento em tecnologia e inovação que permita ao Brasil liderar a transição para o desenvolvimento sustentável, para a economia de baixo carbono.

Esse novo Código Florestal não representa a competição pelo caminho de cima, do ganho de produtividade como fator impulsionador da economia. Por isso, não há outra escolha a fazer, senão vetar tudo. Por isso pedimos o veto total. Dilma, veta tudo.

28 de abril é Dia Nacional da Caatinga

28 de abril é Dia Nacional da Caatinga

A conservação da Caatinga precisa da manutenção e cumprimento do atual Código Florestal. #VetaTudoDilma.

Para a caatinga, um bioma exclusivamente brasileiro, a manutenção e cumprimento do atual Código Florestal são de extrema importância.

Ocupando cerca de 11% do território do país, é predominante da região nordeste. É uma região extremamente importante para a biodiversidade, porque muitas espécies da flora e fauna somente ocorrem ali. Na Caatinga são encontradas 932 espécies de plantas, 148 de mamíferos e 510 de aves. 28 milhões de pessoas vivem no semi-árido brasileiro e dependem dos recursos naturais da Caatinga para sobreviver. Hoje 80% de seus ecossistemas já foram alterados de alguma maneira e a desertificação é o maior problema a ser enfrentado. No Brasil, 62% das áreas vulneráveis à desertificação estão em zonas originalmente ocupadas por caatinga.

A criação de unidades de conservação, o uso racional dos recursos naturais e o combate à desertificação são fundamentais para a conservação da caatinga e da qualidade de vida da população que mora ali. Mas apesar dos dados alarmantes a caatinga tem um grande potencial para o uso sustentável da sua biodiversidade. Inúmeras espécies se destacam para vários usos, desde madeira, forragem e medicinais.

É na caatinga também que se encontram os sítios arqueológicos mais importantes do Brasil, como os localizados no interior do Parque Nacional da Serra da Capivara, representados em sua maioria por pinturas e gravuras rupestres, nos quais se encontram vestígios extremamente antigos da presença do homem.

Projeto aprovado é uma ficção jurídica inaplicável

Projeto aprovado é uma ficção jurídica inaplicável

Artigo de João Paulo Capobianco*, publicado na FSP no dia 27 de abril de 2012.

 

O novo Código Florestal é uma ficção jurídica inaplicável que, se não for corrigido pelo veto, provocará uma enxurrada de ações na Justiça. Na sanha de obter vantagens sonhadas há décadas pelos mais atrasados coronéis, os parlamentares descaracterizaram o texto do Senado, que já era muito ruim.

O resultado dessa operação ensandecida não foi apenas a retirada da proteção das áreas mais sensíveis de nosso ambiente natural, como os manguezais, várzeas, veredas, áreas úmidas, encostas e topos de morros. Nessa lambança, retiraram tantos dispositivos que deixaram um enorme vácuo sobre o que pode e não pode ser feito.

Um exemplo é a obrigatoriedade de recomposição das matas ciliares, as que crescem nas margens dos rios e são fundamentais para manter a qualidade da água e proteger a biodiversidade. No desespero de aproveitar a oportunidade para obter o máximo de vantagens para quem desmatou ilegalmente essas áreas foi aprovada uma mudança que deixou indefinido o que deverá ser exigido para rios com mais de 10 metros de largura. O resultado é que prevalecerá a interpretação do Executivo e do Judiciário, podendo variar caso a caso, gerando enorme insegurança jurídica aos proprietários.

Além de consagrar a anistia geral e irrestrita, em completo desrespeito aos milhares de agricultores sérios que cumprem a legislação ambiental, o resultado é um requinte de desprezo aos mais simples requisitos de transparência. O Cadastro Ambiental Rural perdeu completamente sua efetividade, pois não poderá ser exigido para nada e a obrigatoriedade dos dados serem acessíveis na internet foi retirada do texto.

Eliminaram a diretriz de disponibilização livre na web das informações sobre a origem de madeira e produtos florestais. Na era da informação, parlamentares querem que suas atividades rurais fiquem fora do conhecimento e controle social. Alguém se arrisca a explicar o porquê?

 

Autor: João Paulo Capobianco, diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

Precisamos do veto total ao código do desmatamento

Precisamos do veto total ao código do desmatamento

Artigo de Marina Silva na Folha de São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2012.

 

Algo está muito errado quando a maioria dos parlamentares, na contramão da vontade da maioria da sociedade, prefere um modelo de desenvolvimento que, em razão do lucro rápido, compromete o futuro do próprio país.

O novo Código Florestal aprovado pela Câmara é tudo, menos “florestal”. Virou uma regulamentação de atividades econômicas no campo, nas cidades e nos litorais, de forma a dourar a pílula e apaziguar consciências. Está longe de representar equilíbrio, sustentabilidade, respeito às pessoas e aos bens do país.

O que saiu do Senado, tido como de “consenso”, já ignorava o parecer das autoridades científicas e de especialistas de diversas áreas. Em nome dele, lideranças de quase todos os partidos classificaram como “radicais” as vozes críticas que defendiam as salvaguardas da legislação ambiental, capazes de garantir a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

As mesmas lideranças, porém, contemplaram os interesses verbalizados pelas outras vozes mais radicais de um Brasil atrasado, que se recusam a entender que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são indissociáveis.

Tais escolhas colocam a presidente Dilma diante da tarefa de fazer o que sua base de apoio não fez. Veremos debates nos próximos dias, principalmente sobre o que deve ser vetado. A discussão será algo do tipo: o quão menos ruim o projeto pode ser para não ter um caráter imediatamente fatal.

Como foi aprovado no Congresso, já é praticamente unânime que ele trará implicações nas taxas de desmatamento. Discutir o veto parcial é como avaliar se desejamos colapsar os nossos ecossistemas (e, com isso, inviabilizar nossa agricultura) em 10 ou 20 anos.

O veto deve anistiar os desmatadores ou desobrigar a recomposição de matas ciliares? Deve ser pelo fim dos mangues ou pela redução de reserva legal? Fragilizar as veredas ou as nascentes e mananciais?

Não é isso que deveríamos discutir. Temos todas as condições de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável. O Brasil pode ser para o século 21 o que os Estados Unidos foram para o mundo no século 20. Mas são necessárias visão antecipatória e determinação de perseguir nosso destino de grande potência socioambiental. Não é fácil fazer a melhor escolha, porém é na pressão dos grandes dilemas que se forja a têmpera dos que estão afiados a talhar os avanços da história.

A presidente Dilma terá que decidir qual modelo de desenvolvimento quer para o país. Não dá para ter na mesma base de apoio o sonido da motosserra e o canto do uirapuru. Agora, resta a ela usar seu poder de veto ou compactuar com o que está posto. Chegou a hora da verdade. Veta, Dilma. Veta tudo, não pela metade.

ONGs catarinenses pedem veto ao Código Florestal

ONGs catarinenses pedem veto ao Código Florestal

Organizações catarinenses fizeram nesta segunda-feira (23) a entrega de uma moção contra as alterações do Código Florestal aos representantes do IBAMA, ICMBio, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A matéria é de Fernanda Müller do Instituto Carbono Brasil. A foto é de Miriam Prochnow.

 

O Superintendente do IBAMA em Santa Catarina, Kléber Isaac Silva de Souza, assumiu o compromisso de enviar o documento ao Ministério do Meio Ambiente, à Secretaria Geral da Presidência, à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência e ao Gabinete da Presidente Dilma Roussef. Ao mesmo tempo ficaram de enviar a moção aos seus superiores em Brasília os representantes do MDA, Altair Antunes, e Ângelo de Lima Francisco que representava o coordenador regional do ICMBio/SC, Ricardo Castelli .

Trinta e três entidades, entre elas a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) pediram no documento que a presidente Dilma Rousseff cumpra o seu compromisso eleitoral de não permitir leis que aumentem o desmatamento e vete, na íntegra, o texto do Projeto de Lei 30/2011.

O projeto de mudança do Código Florestal irá à votação no Plenário da Câmara dos Deputados nesta semana e é uma das mudanças mais polêmicas já feitas na história da legislação ambiental do país.

A moção catarinense denuncia e analisa a frágil situação Ambiental de Santa Catarina, e alerta para as enormes consequências negativas que a proposta de alteração do Código Florestal irá causar.

As entidades presentes também entregaram às autoridades a Nota Pública da Comissão Guarani Nhemonguetá pela não aprovação da PEC 215. Essa proposta, se aprovada, alterará o Art. 231 da Constituição Federal transferindo para o poder legislativo a decisão sobre demarcação de terra indígena, terras quilombolas, populações tradicionais e unidades de conservação.

MOÇÃO DE SANTA CATARINA PELA MANUTENÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL E VETO PRESIDENCIAL

Aos governantes, partidos e políticos, ao judiciário e ao povo brasileiro,

Mais uma vez denunciamos que setembro de 2011 ficará na história das famílias catarinenses como uma das piores tragédias ambientais das últimas três décadas, por omissão e responsabilidade das elites gestoras e governantes municipais, estaduais e federais. Cem municípios, o equivalente a um terço do nosso estado, foram tomados novamente pelas águas, após uma sequência de dias com chuvas torrenciais. Segundo dados da Defesa Civil, a inundação afetou quase um milhão de pessoas, sendo que 178 mil delas tiveram que deixar suas casas, e centenas de famílias perderam parentes e amigos. Os prejuízos materiais são estimados em R$ 453 milhões, porém as perdas, os traumas e as rupturas no processo histórico no tecido social, econômico, cultural e territorial são inestimáveis, irreparáveis e atravessarão gerações.

Denunciamos que este processo está intimamente ligado ao modelo de uso e ocupação do solo rural e urbano, que ainda tem como base de seu desenvolvimento a derrubada das matas, florestas e ocupação das margens dos rios e encostas, áreas suscetíveis a chuvas intensas devido à fragilidade do solo e relevo acidentado. Esta é a situação dos vales e encostas ao longo do litoral brasileiro e catarinense e do Vale do Itajaí em particular, o que é de conhecimento do povo brasileiro através das imagens aterrorizantes que circulam nos telejornais e nas incansáveis campanhas de solidariedade.  Esta situação não desaparecerá enquanto não houver respeito às condicionantes ambientais que hoje estão presentes no Código Florestal.

Nossa Região Oeste e o Planalto Catarinense, por sua vez, têm sofrido situação inversa, por escassez de água, com secas cada vez mais frequentes no campo e nas cidades. Embora seja o local do estado em que mais chove, a precipitação se torna concentrada, evapora e escoa rápido porque o sistema natural e alterado retém pouco devido ao mesmo modelo de desenvolvimento, que derrubou a floresta e ocupou as margens dos rios e encostas. Entre os anos 2002 e 2006, todos os municípios do Oeste decretaram estado de calamidade pública por seca na região.

Porém, ainda existem soluções; nossa história mostrou que nos últimos 20 anos a cobertura vegetal de Santa Catarina se recuperou muito devido ao Decreto n° 750/1993, que dispõe sobre o corte, exploração e supressão da Mata Atlântica, e posteriormente à Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006), apesar de esta recuperação ser muito mal distribuída no estado.

O Inventário Florístico Florestal Catarinense demonstrou que temos ainda importantes áreas de florestas, mas não tão rica, alta e espessa quanto deveria estar. Temos cerca de 32% do estado coberto pela Mata Atlântica, concentrado especialmente na faixa litorânea.

Nossas Florestas estão com menos espécies, com estrutura mais baixa e árvores mais finas porque são jovens. Isso representa uma floresta em fase de recuperação. As amostras com boa floresta original são menos de 20 dos 540 pontos pesquisados no estado, e não por coincidência todas elas estão concentradas em unidades de conservação ou em locais de difícil acesso de extração. As 520 restantes estão em áreas perturbadas com a pressão de uso e ocupação do solo em um entorno muito grande.

Diante deste quadro de possibilidades e de tamanha fragilidade e vulnerabilidade, não restam dúvidas de que, com a permissão para diminuir a faixa ao longo dos cursos d’água e a redução ou uso irrestrito da Reserva Legal, pretendidas pelo PL 30/2011, vamos ter um empobrecimento da estrutura da floresta, uma redução de florestas  e uma fragilização ainda maior frente aos desastres.

Se o Código for aprovado da forma como propõe o Projeto de Lei, nós teremos uma redução drástica da Mata Atlântica no estado de Santa Catarina.  Nos períodos chuvosos, vamos estar mais vulneráveis às inundações, escorregamentos e enxurradas. Por outro lado, nos períodos de seca, não haverá suficiente oferta d’água para o consumo humano, animal, da lavoura e de preservação da natureza.

Precisamos de políticas públicas de apoio ao proprietário de área de floresta e para aquele que produz de forma mais sustentável. Precisamos de diminuição de impostos na propriedade e produção, máquinas e insumos agrícolas, linhas de crédito direto para isso, e apoio na manutenção de estradas para escoamento e na comercialização de nossos produtos para que produtor e consumidor tenham condições justas e dignas de emprego e renda e de vida, no campo e na cidade, em equilíbrio com o meio ambiente e preservação para as nossas futuras gerações.

É preciso facilitar o manejo de vegetação secundária e o estímulo à recuperação.  Se não houver políticas de conservação e uso dos recursos florestais, a tendência é de supressão, legal ou ilegal. Todo avanço que tivemos nas décadas de 80 e 90 pode perder-se e podemos ter um retrocesso rápido. Com base em ações proativas já experimentadas nas diversas regiões do Brasil e seus biomas, apesar do caráter extrativista da economia capitalista concentradora de riquezas na mão de uma minoria, em detrimento da maioria, podemos, mesmo assim, afirmar: o homem do campo só faz desmatamento e ocupa encostas e margens de rios devido à falta de política agrícola e agrária mais justa. Essa é, em especial, a realidade dos pequenos e médios produtores rurais, que são empurrados pelo grande proprietário agrícola para as áreas de preservação. Sofrendo situação semelhante estão as populações de baixa renda, que se tornam sem teto nas cidades e são empurradas paras as áreas de preservação porque não têm acesso às melhores localizações, serviços e infraestrutura.

Nas cidades o debate é muito mais complicado, pois o uso e ocupação do solo urbano estão ligados ao setor especulativo imobiliário, aliado das elites políticas, que negam a função social da propriedade do solo. Estes grupos não têm tido compromisso com o desenvolvimento  sustentável, nem com a garantia de qualidade de vida de todos, com a geração de emprego e renda e com a distribuição de riqueza produzida.

Sem aplicar os instrumentos legais do Código Florestal vigente e a legislação da Política Urbana, em especial o ESTATUTO DA CIDADE, não haverá solução, sendo que a nova proposta do PL 30/2011 só agravará e consolidará uma situação já insustentável na região urbana da maioria das cidades brasileiras.

A Reserva Legal, as APPs e APLs não atrapalham as atividades econômicas das propriedades; pelo contrário, se bem utilizadas podem contribuir na geração de renda da família, que em contrapartida ainda terão os benefícios ambientais. Sabemos que além das políticas agrícolas e agrárias, deformações existem no Código Florestal vigente, e isso merece revisão. A própria Resolução do CONAMA nº 369, de 28 de março de 2006, “dispõe sobre casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente”.  No entanto, este processo deve envolver a sociedade por inteiro, deve ser amplo, democrático e transparente, e não deve atender a pressões de grupos econômicos e  indivíduos do campo e da cidade que contrariem a atual legislação, réus de dividas ambientais que devem ser pagas à sociedade.

Enquanto  o Código Florestal não  passar por este amplo e democrático debate, como pleiteiam organizações científicas e movimentos sociais, é preciso que ele seja aplicado na íntegra e de forma equitativa entre os proprietários de médias e grandes áreas, com tratamento diferenciado para os resistentes pequenos agricultores, caiçaras, indígenas, quilombolas e outros que, na maior parte das vezes, contribuem para a preservação da biodiversidade e exercem suas atividades tradicionais e para sua sobrevivência, e estão de acordo com princípios básicos da sustentabilidade.

Finalmente, declaramos aos partidos políticos, ao governo e à sociedade que, na hipótese de aprovação do Projeto de Lei da Câmara ou do Senado, empunharemos a bandeira pelo veto total a ser dado pela presidente DILMA. Esta é a única atitude política que poderá sustentar o clamor da população, bem como a única que dará legitimidade às promessas feitas pela presidente ao povo catarinense e brasileiro na campanha de 2010, quando assumiu publicamente o compromisso de vetar qualquer projeto que promova anistias ou incentive mais desmatamentos.

Florianópolis, 16 de março de 2012.

Assinam:
Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses – FEEC
Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA
Aliança Nativa
Associação Ecológica Força Verde (ES)
Associação de Estudos Costeiros e Marinhos – ECOMAR
APRENDER Entidade Ecológica
Associação Montanha Viva
Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis- VIACICLO
Associação de Preservação e Equilíbrio do Meio Ambiente – APREMA
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
Associação dos Condutores Ambientais e Culturais da Grande Florianópolis – UATAPÍ
Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA
Câmara de Meio Ambiente e Saneamento do Fórum da Cidade – CMAS-FC
Coletivo Divulgar Antropologia de SC – Divu-ANT
Coletivo UC da Ilha
Comissão Pastoral da Terra de SC
Comitê do Itajaí
Comitê Santa Catarina em Defesa das Florestas e da Vida
Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul – CIMI Sul
Coordenação do Curso de Biologia – Uniasselvi
Coordenação do Curso de Gestão Ambiental – Uniasselvi
Diretório Acadêmico Oito de Maio – DAOM – FAED/UDESC
Fórum da Cidade: Organização Social e Popular de Florianópolis
Fundação Piava
Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco –GPDA-UFSC
Instituto CarbonoBrasil de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Instituto de Desenvolvimento e Integração Ambiental – IDEIA
Instituto Sea Shepherd Brasil -Instituto Guardiões do Mar
Instituto Sócio Ambiental Campeche – ISA CAMPECHE
Jurerê Jazz Festival
Núcleo de Educação Ambiental do Centro Tecnológico – NEAmb-UFSC
Santa Catarina Birdwatching
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental -SPVS

A luta pela preservação da Serra Vermelha continua

A luta pela preservação da Serra Vermelha continua

Registro alguns momentos da luta pela criação do Parque Nacional da Serra Vermelha (ver o álbum de fotos no meu Facebook). Campanha que já existe há alguns anos e que deverá ser intensificada nos próximos dias. Muitas ações já foram realizadas pelas ONGs integrantes da Reapi (Rede Ambiental do Piauí) e da RMA (Rede de ONGs da Mata Atlântica).

A maior e mais importante floresta da região Nordestina precisa ser preservada, para as presentes e futuras gerações. A Serra Vermelha é sem dúvida uma das regiões mais impressionantes do Brasil. É um ecótono onde se encontram o Cerrado, a Caatinga e as Florestas Estacionais integrantes da Mata Atlântica. Isso torna a região uma das mais ricas em biodiversidade e mais importantes e prioritárias para a Conservação.

Infelizmente, sem nenhum critério e justificativa técnica, a Serra Vermelha foi excluída, na calada da noite, da ampliação do Parque Nacional da Serra das Confusões. Essa exclusão contrariou todos os pareceres técnicos dos técnicos do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio, inclusive o parecer de um Grupo de Trabalho Técnico criado pelo ICMBio/MMA para avaliar e definir as áreas que seriam conservadas em forma de Unidade de Conservação. Foram excluídos aproximadamente 140.000 hectares, que ficaram a mercê dos grileiros, carvoeiros e da especulação imobiliária.

Essa exclusão nada técnica e equivocada fiz com que o Ministério Público Federal do Piauí impetrasse Ação Civil Pública cobrando do ICMBio a (re)abertura de processo para criar o Parque Nacional da Serra Vermelha conforme moção aprovada pelo Conama e conforme atestam os pareceres técnicos do próprio MMA/ICMBio.

As ONGs irão intensificar a campanha pela preservação da Serra Vermelha. Um campanha que vai precisar do apoio de todos.

Código Florestal: bom senso manda adiar a votação

Código Florestal: bom senso manda adiar a votação

Apesar de certos avanços, o texto do Código Florestal aprovado pelo Senado Federal e que se encontra na Câmara dos Deputados para apreciação final, continua representando o maior retrocesso ambiental da história do Brasil. A impossibilidade de uma discussão séria sobre o tema e as atitudes extremadas dos ruralistas, que visam única e exclusivamente “livrar a cara” de quem desmatou ilegalmente, fez com que organizações da sociedade civil, não apenas as ONGs ambientalistas, mas a SPBC, OAB, CNBB, entre outras, deflagrassem uma campanha pelo veto presidencial ao texto. A campanha tem como objetivo cobrar da Presidente o cumprimento dos compromissos por ela assumidos durante a campanha eleitoral, de “não sancionar anistias a desmatamentos ilegais, não reduzir as áreas de preservação e não incentivar novos desmatamentos”.

O texto do Senado contempla anistias, redução de áreas de preservação e estímulo a novos desmatamentos. A seguir apenas alguns dos pontos problemáticos:

1 – A definição de área rural consolidada (art. 3º, IV) para permitir a continuidade de atividades agropecuárias que desmataram áreas de preservação permanente (APPs) até julho de 2008 (art. 61). Isso constitui anistia nos casos de desmatamento de APPs. Esses desmatamentos são crimes ambientais desde a entrada em vigor da Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente 9605/98, contrariando o art. 225 da Constituição.

2 – A permissão para a continuidade (art. 65) de todas as atividades de carcinicultura (criatórios de camarão) ilegalmente implantados em apicuns e salgados, áreas que integram o ecosssitema manguezal. Prevê ainda a permissão de utilização para carninicultura (art.12) de mais 35% dos apicuns e salgados na Mata Atlântica e 10% na Amazônia. Isso reduz a área de proteção dos manguezais e anistia ocupações ilegais ocorridas até a data da entrada em vigor da lei.

3 – Eliminação da necessidade da manutenção de APP em lagoas naturais com menos de 1 hectares de lâmina d’água( § 4º,art. 4º), reduz a área de proteção  e permitirá desmatamentos em áreas que hoje são consideradas de preservação permanente.

4 – A redução da obrigação de recuperação de APPs ao longo dos rios (art.62) comopor exemplo, de 30 para 15 metros nos rios até 10 metros de largura, prevista para todos os tamanhos de imóveis e não apenas para os rios em pequenos propriedade rurais como vinha sendo discutido.

5 – A anistia de recomposição de Reserva Legal em imóveis com até 04 módulos fiscais (art. 69). Reduz proteção e tratará desigualmente os que cumpriram a lei e os que infringiram a lei, beneficiando os infratores em detrimento dos que respeitaram a Lei. O art. 69 é uma das maiores aberrações jurídicas do texto, pois premia o “ruralista desmatador” tornando-o “mais igual” perante a lei do que o agropecuarista que cumpriu a lei e preservou a vegetação. Ou seja, pode-se dizer que: quem tinha “escravo” tem autorização eterna (inclusive para seus filhos e netos) para manter “escravo”. Em outras palavras, quem degradou o meio ambiente tem autorização para continuar degradando e prejudicando a vida alheia.

6 – O artigo que reduz a reserva legal em estados com mais de 65% de seu território em Unidades de Conservação e Terras Indígenas será usado para autorizar novos desmatamentos. O próprio Governo do Amapá, um dos estados atingidos, já se manifestou contrário a este artigo.

Para piorar, o relator ruralista Paulo Piau apresentou relatório com 29 mudanças ao texto. Com isso ele pretende anular todos os avanços negociados no Senado.  Tudo isso, somado às chantagens patrocinadas publicamente pelos ruralistas e por parte da base do governo mostra que é hora de mobilização geral contra os retrocessos na legislação ambiental. O mais sensato neste momento, como o próprio governo já sinalizou, é adiar a votação e a Presidente Dilma assinar os dois decretos que já estão prontos desde o tempo em que ela era Ministra da Casa Civil. Estes decretos solucionam as principais reivindicações dos pequenos produtores, sem dar anistia a multas dos grandes produtores, sem reduzir áreas de preservação permanente e Reserva Legal e sem permitir novos desmatamentos.

 

Autores: Miriam Prochnow, 47 anos, Pedagoga e Ambientalista. É Coordenadora de Políticas Públicas da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida e Secretária Executiva do Diálogo Florestal. Tem trabalhado na área ambiental há mais de 25 anos. Wigold B. Schaffer, 52 anos. Administrador e Ambientalista. Trabalha há mais de 25 anos com políticas públicas ambientais e ações de conservação e recuperação da Mata Atlântica. Ex-coordenador do Núcleo Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente.
ONGs avaliam primeiro ano do governo Dilma

ONGs avaliam primeiro ano do governo Dilma

Em carta aberta, a avaliação das ONGs é de que estamos vivendo o maior retrocesso na área socioambiental desde os tempos da ditadura militar.

No dia 06 de março de 2012, diversas organizações da sociedade civil, entre elas a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) lançaram em São Paulo, em uma coletiva de imprensa, um documento para alertar a sociedade brasileira sobre os retrocessos que vêm sendo constatados na área socioambiental e estimular a reflexão para incentivar ações que revertam esse quadro.

As alterações no Código Florestal, a redução de Unidades de Conservação, a redução do poder de fiscalização do Ibama, os atropelos no licenciamento ambiental, a paralisação da agenda climática, a lentidão no saneamento, na mobilidade urbana, na regularização fundiária, o aumento da violência no campo e um Ministério do Meio Ambiente inerte são os itens apontados no documento intitulado “Sobre os retrocessos do governo Dilma”, lançado nesta terça-feira, 6/3,em São Paulo.

João Paulo Capobianco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) explicou que as ONGs decidiram avaliar o conjunto de medidas tomadas pelo atual governo em relação à agenda socioambiental do Brasil e daí concluíram que houve uma inversão em relação ao que vinha sendo aprimorado nos últimos 20 anos. “A decisão de fazer o documento foi para mostrar essa situação e oferecer uma reflexão à sociedade paras estimular iniciativas que possam reverter esse quadro”. Para Márcio Santilli, do ISA, o governo Dilma está rifando o patrimônio socioambiental brasileiro. “Jogamos no lixo o que demoramos muitos anos para acumular”. Santilli foi contundente ao dizer que a presidente precisa ficar atenta. “Dilma precisa saber que o zelo pelo patrimônio nacional é dela”.

Maria Cecilia Wey de Brito da WWF e Paulo Barreto, do Imazon também chamaram a atenção para os retrocessos e para o projeto do Código Florestal aprovado pelo Senado, que será submetido novamente à apreciação da Câmara dos Deputados esta semana.

A ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assistiu à coletiva e ao final foi entrevistada por repórteres presentes. Ela afirmou que não só não houve avanço na agenda socioambiental como se está retrocedendo. Mas afirmou que tem esperança de que se a sociedade brasileira mostrar que zela pelo seu patrimônio, a presidente Dilma possa corrigir os rumos.

Ministra fraca leva Código Florestal a um desastre

Ministra fraca leva Código Florestal a um desastre

Excelente entrevista de José Eli da Veiga à Pablo Pereira, do Estado de São Paulo, no dia 04 de março de 2012, sobre o risco de termos aprovado no Congresso um Código Florestal que vai contra o desenvolvimento sustentável do Brasil.

 

A tramitação do Código Florestal com ministro de Meio Ambiente fraco é um desastre. A avaliação é do professor do Instituto de Relações Institucionais da USP, José Eli da Veiga. Acompanhando o processo de feitura no Congresso da nova legislação ambiental do País, em análise na Câmara, ele acredita que a presidente Dilma Rousseff está mal assessorada no assunto, diz que a ministra Izabela Teixeira é “fraca” politicamente e acrescenta que o Planalto pode acabar aprovando uma lei que vai causar prejuízos ambientais, econômicos e institucionais ao País. Segundo Veiga, o texto contém avanços em relação ao que foi aprovado no ano passado, mas precisa de mais discussão. Leia trechos da entrevista:

Qual é a sua impressão sobre esse movimento na Câmara sobre o texto do novo Código Florestal?

Já não é mais uma impressão. Está absolutamente confirmado que o governo, o Executivo, com acordo do principal partido, o PT, queria que aquilo que foi aprovado no Senado já se tivesse promulgado. O grande atropelo, na verdade, foi no Senado. E foi uma pena porque o Senado acabou melhorando e muito, mas com atropelamentos que acabaram por anular os avanços. E o Senado atropelou muito porque a ordem era que o Congresso liquidasse a fatura até dezembro. Mas houve surpresa na Câmara. Os ditos ruralistas racharam e acabaram não aprovando em dezembro. Tudo ficou para a retomada, que ocorre agora.

O governo mudou de posição?

O governo continua exatamente na mesma posição. Diz que o substitutivo do Senado não é a melhor das coisas, mas que é o possível neste momento. E que tem de aprovar agora. A nova ordem é que o assunto não pode entrar no mês de Abril.

Por que a pressa?

Por causa da Rio+20. Há um grande temor que o Brasil tenha seu desempenho prejudicado na Rio+20 pela reação que pode haver por parte de todos os que, de fato, já assumiram essa cultura do desenvolvimento sustentável. A reação não se restringir aos movimentos socioambientais brasileiros. Então há o temor de que isso possa desmoralizar o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável. E o Itamaraty está muito apreensivo com esse risco. O Itamaraty vem dizendo à presidente que esse assunto é perigoso para o desempenho no Brasil na Rio+20.

E qual é a sua opinião?

Será muito melhor para a democracia brasileira se houver mais tempo para um exame bem mais cuidadoso dos imensos riscos, incertezas e desastres embutidos no texto aprovado pelo Senado. Mas, se continuar no atropelo, por força de um jogo complexo de interesses muito mesquinhos e também pelo fato de a matéria ser muito complexa, será uma tragédia. Como não chegou a se formar uma opinião pública sobre questões tão difíceis quanto delicadas, há alto risco de que, inadvertidamente, os deputados voltem a votar sem conhecimento de causa. Em vez de tomarem conhecimento da matéria, os deputados do PMDB podem apostar no “quanto pior melhor” só por estarem muito insatisfeitos com o PT, principalmente devido ao rolo da eleição municipal da cidade de São Paulo, mas também pela nomeação do senador Crivella para o ministério do “pesque e pague” sem qualquer consulta ao vice-presidente Michel Temer. Pior, a presidente está sendo confundida e iludida. Principalmente pela ministra do Meio Ambiente, que é muito fraca, e que tem um assessor que afirma exatamente o contrário do que dizem os principais especialistas, como mostram os posicionamentos da SBPC e conjunto com a ABC. Além disso, o Código Florestal vai ser substituído por uma lei que nem será mais Código.

Como assim?

Na verdade, o Código é de 1934. Em 1965 foi aprovado o “Novo Código”. Tanto o projeto da Câmara quanto o substitutivo do Senado preveem sua revogação sem que seja substituído por outro.

O que é colocado no lugar?

A nova lei tratará única e exclusivamente das regras de conservação da vegetação nativa dentro das propriedades privadas. Essa é a diferença. Os códigos não se restringem a uma parte. Código de Trânsito, Penal etc, não são pedaços. Tratam do conjunto das regras. Os dois códigos florestais (1934 e 1965) incluíam todas as regras de conservação florestal. Agora, não. Florestas públicas e terras indígenas, por exemplo, serão tratadas por outras leis. Não haverá mais Código Florestal, por mais que se diga que ele está sendo “reformado”.

Isso é um equívoco? O País deve ter um Código?

Não. Mas é preciso entender que essa lei só trata do que toca às fazendas. E, nisso, há um triplo retrocesso no substitutivo do Senado. Infelizmente. Embora tenha havido avanços. Mas no que sobrou, é retrocesso ambiental, retrocesso econômico brutal, e, talvez o pior, retrocesso institucional. É incrível que muitas pessoas não estejam percebendo. Como é assim, a única interpretação que posso ter é que a presidente está muito mal informada. Particularmente pela ministra, que é muito fraca. E a própria ministra está sendo iludida por gente que faz avaliação de que, apesar de tudo isso, a reconstituição de algumas coisas que já foram desmatadas, quando se calcula a área a ser regenerada, em termos de hectares, isso seria muito. Falam de recuperação de 18 milhões de hectares. E como muito poucos países têm essa possibilidade de recuperar 18 milhões de hectares, pode até parecer bom. Mas, veja, a Itália fez imensa recuperação florestal nas últimas décadas. Muita gente nem sabe disso. Mas, mesmo que a Itália recuperasse todo seu território, seria impossível fazer comparações de tamanho com o Brasil. Por isso, qualquer comparação desse tipo teria que ser em percentuais. E aí, em percentuais, a cantilena do MMA é uma farsa. Vejamos só uma questão: as Áreas de Preservação Permanente (APP). É unânime entre técnicos e cientistas que as APP são algo, a palavra talvez nem seja apropriada, mas APP deve ser entendida como sagrada. As APP são santuários da prudência econômico-ecológica. Quanto mais avança o conhecimento científico, mais evidências confirmam essa já antiga constatação.

E a reserva legal?

Reserva legal é bem diferente. É outra discussão: se é conveniente ou não, que tipo, qual é a porcentagem, por bacia ou por bioma, com que critérios, etc. Há uma série de questões discutíveis. Mas entre pessoas que têm o mínimo de formação nas ciências naturais, todos concordam que não deve haver transigência quando se fala de APP. E é brutal a redução de APP que vai haver com a aprovação de qualquer dos projetos até agora aprovados pela Câmara e pelo Senado. Há imagens claríssimas, elaboradas pelo departamento técnico do Ministério Público. Imagens que comparam como são as atuais APP e como elas ficariam se as regras previstas nesses projetos se tornarem lei. Todas têm reduções brutais e algumas simplesmente desaparecem. E mais uma questão muito séria: a presidente Dilma, entre o primeiro e segundo turno da eleição, mandou uma carta para a então senadora Marina Silva. Há um parágrafo sobre o Código Florestal que diz que ela não toleraria redução de áreas de preservação permanente, redução de reserva legal e, com muita ênfase, não aceitaria nenhum tipo de anistia para desmatadores. Agora, o substitutivo do Senado reduz APP, reduz reserva legal e, pior do que anistia, dá indulto a crimes cometidos a partir da lei de crimes ambientais.

Mas a presidente poderia vetar esses pontos no substitutivo e recuperar aquela intenção manifestada na carta?

Tudo indica que isso será impraticável. O texto está montado de tal forma que não vejo como ela poderá exercer vetos cirúrgicos. Não é o caso de um ou outro artigo. Pelo seguinte: veja uma das questões-chave, a tal data que separa o passivo do que vai vigorar a partir das novas regras, julho de 2008. É a data daquele decreto que desencadeou a grande revolta. E quero falar disso também porque muitas vezes as reclamações são legítimas. Tenho receio de que as pessoas subestimem a bronca dos agricultores, sem distinguir entre o que é legítimo e os oportunismos enfiados nos dois projetos. O que era legítimo foi muito bem aproveitado e desvirtuado pelas lideranças que se dizem ruralistas. Essas lideranças manipularam uma espécie de rebelião contra o decreto. A data é um retrocesso institucional porque ignora a Lei de crimes ambientais, que foi uma lei duríssima de ser aprovada. A rigor, até a Constituição, quem desmatou ilegalmente tem de ser perdoado. Pelo seguinte: apesar do Código desde 65, todos os governos, na ditadura militar, mais os patéticos Sarney e Collor, incentivavam o agricultor a desmatar, com crédito, até com competição. Quem foi levado para as áreas de fronteira agrícola, agricultores que migraram para Rondônia, Acre, Mato Grosso, foram muitas vezes quase obrigados a desmatar ilegalmente, tanto as APP como o que deveria ser reserva legal.

Então, até 88 é justificável?

Não porque a Constituição foi forçosamente muito genérica, e previa regulamentação. Ela tramitou durante dez anos. Só em 98 é que foi promulgada a Lei de Crimes Ambientais. Não é possível que uma lei nova simplesmente ignore a existência dessa lei. Quem desmatou sem licença a partir de 99 cometeu crime. E aí não se deve usar nem a palavra anistia, que é resgate, uma coisa positiva. Neste caso, é indulto, muito pior. Esse é um dos aspectos do retrocesso institucional. No caso de eventual veto, que estávamos tratando, no caso da data, que aparece em vários artigos, mesmo que ela vetasse os artigos, não poderia colocar outra data. A data correta seria 99. Mas não seria possível introduzi-la, pois veto só suprime, não acrescenta.

E não pode haver emenda agora, na Câmara, que ajuste esses pontos, como a questão da data da anistia

Não. Os deputados só podem mudar com emendas de redação. Esse é um ponto incontornável. Se fizerem a desgraça de mandarem esse texto para a presidente, vão emparedá-la. Ela vai ser encurralada.

Qual seria a solução? A ideia de aprovar o que tem e rever daqui a cinco anos?

Também não, porque os estragos aumentariam tanto nesses cinco anos que teríamos uma revisão ainda mais complicada, como está acontecendo com a Rússia neste momento. Os cientistas que foram desprezados quando a Rússia flexibilizou sua legislação de conservação florestal passaram a ser vistos como heróis nacionais depois dos inúmeros incêndios que eles previram. O melhor seria, como fazem com muita frequência os técnicos do basquete: pedir um tempo. Precisamos de uma parada como apelo à sensatez. Uma parada para recomeçar a discussão no Congresso a partir do texto do Senado, que avançou, mas para rever as questões que estou levantando, e outras. A saída seria uma Medida Provisória que garantisse completa segurança jurídica aos agricultores, mas não aos especuladores, e que fosse muito mais enxuta do que o imenso e bizantino substitutivo do Senado. Com isso, os parlamentares das duas casas teriam tempo para estudar o assunto com mais calma em vez de votarem outra vez apenas por disciplina partidária, sem um mínimo conhecimento de causa.

Então o tema ficaria para o segundo semestre?

O trabalho técnico não precisaria esperar, pois ele é feito pelas assessorias. Quanto à decisão final, provavelmente seja impossível antes das eleições, mas poderia ocorrer, com maturidade e sensatez, logo depois, ainda neste ano. O que não é razoável é que se faça de afogadilho uma lei que vai ter repercussão ambiental, econômica, institucional por muitas décadas, quando se sabe que o texto será um triplo retrocesso, com devastadoras consequências econômicas e socioambientais. O relator Paulo Piau repete ad nauseum que só divulgará seu relatório na véspera da votação. Como é possível, em matéria complexa, que os deputados votem sem terem tempo de conhecer o texto? Foi o que aconteceu na Câmara com a desgraça de maio 2011. Os deputados votaram sem conhecer o texto. Foi uma vitória incrível, mais de 80% dos deputados votaram a favor. Eu procurei deputados aqui de São Paulo, que tinham votado a favor, para perguntar por que votaram e eles não souberam me dizer por que votaram. Eles não sabem. E mais: pelo regimento da Câmara, o relator pode reformular o relatório até durante o processo de votação. É absolutamente antidemocrático, embora possa ser regimental. O prazo de votação tinha de ser marcado em função do conteúdo do relatório. Com um tempo para que as assessorias dos deputados possam dar ao menos uma olhada. Só então avisarem os líderes que a votação seria viável.

Como está encaminhado, isso não vai acontecer?

Não. Vai ser uma derrota da democracia. Mais uma vez.

Quais seriam os prejuízos econômicos?

Se for aprovado como está, será um tremendo prêmio à especulação, imobiliária ou fundiária, e não à produção. Veja, se você tem um terreno na cidade de São Paulo, você pode montar uma empresa, uma atividade produtiva, no terreno. Você estaria usando o terreno para produzir, não estaria especulando. Os economistas calculam aí o que se chama de custo de oportunidade. Por exemplo, tenho que levar em conta que o aluguel, se ele não estiver sendo utilizado. É um custo da minha empresa. Mas se eu não quero ter atividade no terreno. Vou alugar, arrendar, para um estacionamento porque estou de olho na valorização imobiliária. Imagine se fosse na Vila Madalena. A gente sabe da valorização. Então, vou dar então esse terreno para estacionamento, para vender lá na frente, ou até deixar para meus filhos venderem. O lucro patrimonial que será obtido no momento da venda supera muitas vezes o lucro que possa ter em qualquer empreendimento que use o terreno. Isso é especulação imobiliária. O que aconteceu no Brasil foi que grande parte da fronteira agrícola, do Centro-oeste e do Norte, tem essa lógica. Por que o pessoal do mercado financeiro tem tanta fazenda na Amazônia? São produtores agrícolas?

É reserva de valor.

A expressão reserva de valor é insuficiente. Pode significar apenas proteção contra a inflação. Mas não é só isso. Quando se compra terra com intuito de segurá-las por 20 anos, está-se mirando no lucro patrimonial. O que interessa é o lucro patrimonial obtido com a valorização fundiária, muito mais que os rendimentos obtidos com eventuais atividades produtivas. O grosso da agricultura tem muito mais lucro patrimonial do que rendimentos da atividade econômica. E nas chamadas fronteiras agrícolas, essa lógica especulativa chega a ser dominante. Então, respeitar as APP sempre constituiu uma séria limitação para esse mercado de grandes domínios. Se há que se respeitar as APP, os compradores vão preferir procurar as que estejam mais livres desse tipo de condicionamento. Isto é, será premiada uma imensa fatia dos 44 milhões de supostas “pastagens” que invadiram áreas de APP. Áreas que o substitutivo do Senado considera “consolidadas”. São cálculos feitos na Esalq com ajuda de imagens de satélite. Sumiram 55 milhões de hectares de APP. Pouco mais de 10 milhões são de agricultura, e aí não tem tanto problema, porque embora tenham desrespeitado as APPs, o verdadeiro agricultor tende a ser muito cuidadoso. É o caso do arroz, no Rio Grande do Sul. Grande parte de lá está em área de APP. Mas está lá há muitas décadas, com práticas conservacionistas que garantem a própria sobrevivência da atividade. O arrozeiro não vai deixar assorear. Isso é completamente diferente da maior parte das pastagens de uma imaginária pecuária de corte, que foram formadas somente com olho na especulação. Na verdade são terras travestidas de pastagem. Qualquer pessoa que viajou por estas regiões de avião nem vê boi. O que vê é pastagem tão degradada que mais parece uma coleção de erosões e voçorocas. Os proprietários só estão esperando a valorização. E a lei vai valorizar brutalmente estas terras. Vai haver um brutal aumento no preço da terra, que favorecerá quem teve essa iniciativa especulativa nos melhores momentos e agora torce para que seja aprovado algum dos dois projetos. Claro, de tabelinha, em princípio também favorece agricultores, pois um dia também serão realizados os seus lucros patrimoniais. A diferença é que os agricultores estão interessadíssimos na rentabilidade corrente de seus empredimentos. Não apostam apenas na valorização patrimonial. Para o verdadeiro produtor, isso interessa menos. Isso só é prêmio mesmo para o especulador. Principalmente para aquele os que se fazem passar por pecuaristas de corte. Não é o caso dos pecuaristas de leite. Esses são heróis, que muitas vezes nem alcançam a rentabilidade corrente média dos negócios agrícolas. E ainda tem outro prêmio para a especulação: é o que assimila a agricultura familiar a todos os imóveis com até quatro módulos fiscais. Também é retrocesso institucional porque há uma lei da agricultura familiar. E tem ainda a questão do imóvel rural e do estabelecimento agrícola.

Qual a diferença?

Uma coisa é o imóvel rural, outra é o estabelecimento agrícola. No estabelecimento agrícola, quem faz o censo é o IBGE. Se você se declara produtor agrícola, ele te pergunta sobre a sua atividade. Pode ser sua propriedade, arrendada etc. Vai falar da empresa. Imóvel rural é completamente diferente. É terreno, que não está na zona urbana. Pois bem, os dois projetos tratam de imóveis em vez de estabelecimento agrícola. O corte é o imóvel de até quatro módulos. É imensa a diferença entre a área dos estabelecimentos de agricultores familiares e a área dos imóveis rurais de até quatro módulos. É um hiato de 56 milhões de hectares, dos uns 40 milhões não abrigam empreendimentos produtivos. E não são grandes propriedades. São áreas para sítios, que têm, em média, uns 100 hectares. Isso vai aquecer brutalmente o mercado dos sítios de recreio. Então, com intuito de favorecer ou proteger a agricultura familiar, usaram esse dispositivo de falar em imóvel e usar os tais quatro módulos de tamanho. Isso vai premiar a especulação em mercado bem diferente daquele dos grandes domínios. Como a presidente é economista, queria fazer uma aposta: ela certamente faria o papel do técnico que pede tempo se viesse a ser informada de que os projetos do Congresso premiam muito mais os especuladores do que aliviam os agricultores. Coisa que certamente não ouviu dos assessores que até podem entender muito de meio ambiente, mas que não entendem nada de economia. O pessoal da Fazenda, que eventualmente poderia chamar a atenção dela para essas coisas, nem se interessa por Código Florestal. E os técnicos do Ipea que estudam estas questões não têm acesso às altas esferas do poder. Então, vamos ter prejuízo econômico brutal por falta de assessoramento da presidente na área da economia agroambiental.

Professor, o senhor me falava da questão da segurança jurídica.

É. Tem também essa questão. Entendo que muitos agricultores não vão concordar comigo quando peço mais calma, mais tempo, porque eles estão aflitos, há muito tempo, com isso. Eles estão ansiosos por uma segurança jurídica, que uma nova lei pode dar. Esse é o grande ponto que favoreceu que eles fossem manipulados pelo pessoal da especulação imobiliária. Foi oportunismo no processo no Senado, inclusive de muitos parlamentares que descaradamente estão legislando em causa própria. Só alguns devem ter grandes domínios no Centro-Oeste e no Norte, mas a grande maioria possui imóveis rurais de até quatro módulos que não são estabelecimentos agrícolas. Não querem respeitar as APP, como são hoje obrigados.

O que o senhor espera da presidente?

Pelo pouco que conheço dela, de sua trajetória, tenho imenso respeito. Li o livro do Ricardo Amaral, um livro maravilhoso, e qualquer pessoa que ler esse livro só poderá nutrir ainda mais respeito por ela. Mas, infelizmente, na questão do Código Florestal, ela está muito mal informada, muito mal assessorada. Se tivesse procurasse ouvir os economistas do Ipea, em vez de confiar cegamente na equipe do MMA, já teria percebido o perigo que está correndo em deixar que haja essa atropelada votação prevista para os próximos dias. Para piorar, o PT está subestimando muito a armação dos especuladores. Então, a presidente será encurralada a promulgar um “monstrengo” que contraria os três compromissos que ela própria assumiu na carta-resposta que enviou à ex-senadora e ex-ministra Marina Silva pouco antes do segundo turno das eleições de 2010. O “monstrengo” reduz brutalmente as APP, também reduz muito as reservas legais, além de conceder indulto generalizado a todos os que desmataram ilegalmente depois de 1999.

O senhor diz que há também prejuízos ambientais. Não há nada de bom no substitutivo?

Eu acho que o principal prejuízo é de APPs. Tem a questão da beira rio, áreas úmidas. E a dos manguezais, os apicuns. É uma formação muito específica que fica na foz dos cursos d´água. Você tem os manguezais e os apicuns, uma formação que aflora, que normalmente seria uma ilha, que é usada para a criação de camarão ou salinas. A ciência diz que há um conjunto, um ecossistema. Não se pode tratar o dito apicum, ou salgueiro, como se fosse separável do manguezal. A contaminação vai afetar o manguezal. Isso foi golpe no Senado. Foi na calada da noite. O nobre deputado Paulo Piau me disse isso. Na calada, com a votação confusa, os assessores entram e fazem o que eles, na gíria, chamam de “foi feito no tapa”, quer dizer, ninguém sabe direito o que foi votado e aí os assessores legislativos é que fazem o texto. Mas o mais grave nem é isso. Quem enfiou no texto essa barbaridade dos apicuns foi um senador que nunca tinha aparecido em nenhuma discussão sobre o Código Florestal, que é do Rio Grande do Norte e líder de seu partido, o nobre senador Agripino Maia. Em dado momento fez um panegírico sobre a questão dos apicuns, sobre a qual os demais senadores presentes provavelmente nunca tinham ouvido falar. Como os relatores precisavam de aliados na oposição para conseguir votar até novembro, concordaram em acomodar essa questão, que acabou constituindo principal pérola da incompetência de técnica legislativa que também é a marca do apressado substitutivo. É bom lembrar que esse senador foi exatamente o que chamou a presidente de mentirosa. Há um vídeo na internet que precisa ser revisitado. Ela, ainda como ministra, foi fazer depoimento em comissão do Senado e ele abriu a sessão perguntando se valeria a pena ouvi-la, já que era uma reconhecida mentirosa, pois tinha mentido sob tortura. É belíssimo, porque a atual presidenta deu uma grande aula de ética ao justificar sua atitude de não ter entregado seus companheiros à repressão ditatorial. Ao senador Agripino Maia, por incrível que pareça, nem havia ocorrido o grau de heroísmo que foi mentir em tais circunstâncias.

E tem coisa boa?

Sim, tem uma série de coisas boas. A SBPC lançou uma segunda carta aberta na segunda-feira, 27 de fevereiro, que começa com uma lista dos avanços no Senado. Por exemplo, no tal texto aprovado na Câmara em maio, que é chamado por deputados de “monstrengo”, os manguezais deixaram de ser APP. Sempre foram, e ainda são. Mas o tal “monstrengo” tentou liberar todos os manguezais de qualquer restrição conservacionista. Um grande crime, quando se sabe que esses ecossistemas são absolutamente fundamentais para uma série de funções ecológicas, além de serem essenciais para a regulação do clima. O Senado reintroduziu os manguezais nas APP. Mas não há várias outras coisas positivas. No primeiro relatório do senador Luiz Henrique, ex-governador de Santa Catarina, que foi relator de três comissões, coisa muito rara, repetiu o tal “monstrengo” com poucas alterações. Mas houve uma importante audiência de juristas. Estava lá ministro Nélson Jobim, contratado para dar parecer de inconstitucionalidade. E também o ministro Herman Benjamin, do STJ, que talvez seja no Brasil a pessoa da área jurídica que mais entende da questão ambiental. Então, o senador Luiz Henrique ali na audiência foi convencido a mudar várias coisas fundamentais. Para começar, no texto da Câmara havia uma transferência de competência aos estados. Os estados é que iriam legislar. O ex-ministro Jobim alertou: isso vai criar uma guerra ambiental parecida com a guerra fiscal. E o senador Luiz Henrique imediatamente percebeu que estava errado. Houve aí um grande ganho. A lei que sair, seja qual for, será federal. Os estados têm de respeitar e adaptar.

Foi um avanço, então?

Com certeza. Depois, o ministro Herman Benjamin disse que um dos principais defeitos do texto era de que ele misturava disposições transitórias com definitivas. Ou seja, criava uma confusão entre o passivo e as novas regras, algo péssimo em termos de técnica legislativa. E também convenceu. O senador Luiz Henrique pediu tempo, apesar da pressão para que o Senado resolvesse tudo antes de Novembro. Era um problema, mas ele pediu adiamento. E reapresentou um relatório que separa o passivo das regras para o futuro, além de retirar a questão da autonomia estadual, que ele próprio, como governador, até tentou impor na marra. Dois avanços imensos, portanto.

E no caso dos rios? O tal debate da metragem.

O ideal seria que não tivesse regra fixa de metragem. Quando foram feitos em 1934 e 1965, o conhecimento não tinha avançado o suficiente para dizer que há como mapear as áreas a serem preservadas. No entanto, hoje se dispõe de instrumentos rápidos, graças a novas tecnologias de interpretação das imagens de satélite. Basta ir ao Inpe e consultar o pesquisador Antonio Donato Nobre sobre o sistema que montar para prever enchentes. Pode-se prever até onde a água irá, até em cheias excepcionais. Todavia, como os parlamentares preferiram a inércia institucional, seus projetos insistem em critérios métricos fixos, que até eram razoáveis em 1934 e 1965, mas que hoje não passam de pura burrice. Então, ao menos deveriam ter considerado como referencia o registro da cheia máxima, ou, ao menos, uma média das cinco maiores cheias. Mas hoje nem isso é necessário. O Inpe tem condições de mapear qual é a área inundável e essa área, em princípio, é APP. Se quisessem escutar a ciência, teríamos zoneamento agroecológico para demarcar as APP em vez dessas regrihas burras. Com as regras fixas de metragem, a lei pode estar exagerando para mais do que necessário ou para menos. Mas isso a gente está dizendo há mais de ano. E ninguém quer ouvir.

Então não seria melhor fazer passar logo a lei e depois aprimorar? Ou o prejuízo é irrecuperável?

Se a ideia fosse estabelecer um mínimo de regras que garantam a segurança jurídica para depois discutir com calma essas complicações técnicas, eu até estaria de acordo. Mas não disso que se fala em Brasília. E não estão percebendo que a aprovação de algum dos projetos das duas casas do Congresso certamente aumentará os conflitos no campo. O exemplo mais escandaloso é o dos manguezais, mas há muitos outros. Vai ser uma loucura para o fiscal, do Ibama, ou do órgão estadual, saber o que deve ser considerado legal ou ilegal. Pior: vai aumentar a farra dos advogados. Nada disso quer dizer, é claro, que os dispositivos do Código não precisem de modernização. Não tenho a menor dúvida de que tem de modernizar. A lei é de 65 e houve alterações, várias vezes por medidas provisórias. Não pode ficar como está. Se fosse para ouvir a ciência, elaborar um texto enxuto, e depois regulamentar, seria o melhor dos mundos. Mas aconteceu está ocorrendo exatamente o contrário. O texto do Senado é seis vezes maior do que o da Câmara. Vai ser camisa de força, aumentar os conflitos e expandir a farra dos advogados.

Porque o senhor diz que a ministra é fraca?

Os ministros anteriores tinham mandato. Foram eleitos por terem reconhecida militância política nessa área. É o caso de Marina Silva e de Carlos Minc, mas também Zequinha Sarney, por exemplo. Na tramitação do Senado, por exemplo, teriam evitado muitos desastres, pois não se intimidariam frente às chantagens dos especuladores, dando assim um bom suporte aos vários senadores mais ligados às questões da sustentabilidade. Ocorreu exatamente o contrário. Os senadores comprometidos com as causas socioambientais ficaram, várias vezes, “pendurados na brocha”, como se diz. Por incrível incapacidade da atual ministra. Em vez de alertar os relatores para as manobras oportunistas dos especuladores, ela, ao contrário, foi muito conivente com eles. Favorecendo a banda podre do Senado, em vez de enfrenta-la, como teriam feito os três ex-ministros já citados. Houve um momento, por exemplo, que a proteção das encostas havia sido muito bem disciplinada pelo relator final. Assim que soube, a senadora Kátia Abreu, lá da sede da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), fez uma forte chantagem ao governo. Se tal dispositivo não fosse retirado, os ditos ruralistas iriam obstruir votações, tanto na Câmara, como no Senado, de projetos que eram fundamentais e urgentes para o governo. Era um “super-blefe”, mas que gerou recuo imediato do MMA. Nem é preciso dizer o resto. A manobra surtiu efeito, já que os senadores e a assessoria palaciana deixaram de ter razões para “pagar para ver”.

A ministra da pasta não teve força para manejar a aliança de sustentação do governo neste ponto, é isso?

É mais do que isso. Ela não tem a capacidade de interlocução com os senadores. É diferente do Minc, da Marina ou do Zequinha. Quando um parlamentar fala com outro parlamentar é uma coisa totalmente diferente de quando fala com um simples mortal, como nós dois. Nós não temos o tal “cacife”. Então, é inteiramente diferente quando falam com um ministro que tem. Até a tramitação do Código Florestal, eu não tinha má impressão da ministra. Conheço um pouco a história porque sou muito amigo do Minc e sei como ele a escolheu. Era secretária executiva dele. Foi um desastre o Código Florestal tramitar num contexto em que o MMA é conduzido por um suposto bom técnico. É como querer usar um gato em “briga de cachorro grande”.

Conheça o Jardim das Florestas

Conheça o Jardim das Florestas

Jardim das Florestas é o nome do viveiro de mudas de árvores nativas da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi). Iniciado com 18 mudinhas no fundo do quintal, na cidade de Ibirama (SC), em 1987, mesmo ano da fundação da associação, hoje ele tem capacidade instalada para a produção de cerca de 1 milhão de mudas por ano. Completando 25 anos de existência em 2012, o viveiro já chegou a abrigar, de uma só vez, mais de 120 espécies diferentes de mudas da Mata Atlântica, já que a diversidade também é um dos objetivos do trabalho.

Situado na comunidade de Alto Dona Luiza, no município de Atalanta (SC), o Jardim das Florestas é um dos pilares dos projetos da Apremavi. As mudas produzidas são, em sua maioria, utilizadas nas atividades de restauração florestal, dentro dos Programas Clima LegalMatas Legais.

Uma equipe de oito pessoas, coordenada pelo Presidente da Apremavi e por um técnico da instituição, trabalha diretamente na produção das mudas que compreende várias etapas, cada qual com sua particularidade e cuidados necessários:  coleta de sementes, extração e tratamento das sementes, semeadura, preparação do substrato, preenchimento das embalagens (função popularmente conhecida como “encher saquinho”), repicagem e  armazenamento das mudas nos canteiros e  estufas. O trabalho desta equipe já mostra resultados em 2012. Só no mês de janeiro foram produzidas 63.400 mudas de árvores nativas.

Desde o início do ano foram coletadas inúmeras sementes dentre as quais podemos destacar o camboatá vermelho, a canjerana e o chal-chal. Também já foram semeadas espécies como baguaçu, ipê amarelo, timbauva e baga de macaco, que dentro de algumas semanas já serão plântulas prontas para repicagem. Importante ressaltar que todas as mudas produzidas são direcionadas para recuperação de áreas degradadas principalmente matas ciliares e nascentes.

A Apremavi espera poder inspirar mais pessoas e instituições a pensarem no valor e na importância da preservação dos mais diversos ecossistemas, mesmo que seja  plantando uma ou duas árvores no jardim de  sua casa ou na sua rua. Por menores que os números possam ser, o efeito multiplicador e coletivo terá se ampliado para muito além dos  limites e contribuirá para a valorização e incentivo às práticas de conservação.

Seja e faça a diferença, contribua com a conservação da natureza plantando árvores, porque nada mais atual do que um antigo provérbio de autoria desconhecida: a melhor época para se plantar árvores foi há vinte anos atrás, a segunda melhor época é hoje!

Telefone: (47) 3535-0119
E-mail: viveiro@apremavi.org.br

Visite o Parque Natural Municipal da Mata Atlântica

Visite o Parque Natural Municipal da Mata Atlântica

Localizado em Atalanta (SC), o Parque Natural Municipal da Mata Atlântica é uma Unidade de Conservação Municipal (UC), que oferece a seus visitantes a oportunidade de contemplar belas paisagens e vivenciar a tranquilidade e qualidade da vida interiorana.

O parque está localizado a 2km do centro do município, na comunidade de Vila Gropp. O principal atrativo do local é a Cachoeira “Perau do Gropp”, com 41 metros de queda. Além desta, o parque possui também a cascata “Córrego do Rio Caçador”, com 18 metros de altura.

O acesso até a cachoeira e a cascata, são feitos pelas Trilhas da Lontra e do Quati. A Trilha da Lontra tem aproximadamente 1.000 metros de extensão e pode ser percorrida entre 30 e 40 minutos. Nessa caminhada, os visitantes podem observar os paredões rochosos cobertos por samambaias, avencas e musgos, além de terem a oportunidade de conhecer algumas espécies nobres da Mata Atlântica como o cedro (Cedrella fissilis), a canela sassafrás (Ocotea odorifera) e o xaxim-bugio (Dicksonia sellowiana). É também na Trilha da Lontra que está localizada a “Cascata Córrego do Rio Caçador” e no final da caminhada, o visitante pode contemplar a “Cachoeira Perau do Gropp” com seus 41 metros de altura.

Na Trilha do Quati, o visitante enfrenta um grau de dificuldade um pouco mais alto. Essa caminhada possui aproximadamente 2.000m e leva ao interior do Parque, fazendo a travessia do rio em dois pontos. A travessia é feita por cima de pedras. Ao percorrer essa trilha, os visitantes permanecem mais tempo em contato com a natureza. O tempo de duração aproximada desta trilha é de 1h30 e no final da caminhada a chegada também é na “Cachoeira Perau do Gropp”.

Além das trilhas, os visitantes podem conhecer também o Museu Histórico Municipal Wogeck Kubiack e o centro de visitantes, com recepção, auditório e sala de reuniões.

Além do Parque, é possível conhecer outros atrativos em Atalanta. Entre em contato conosco e agende sua visita.

Horário de atendimento:
Segunda à sexta-feira: 7h30 as 12h – 13h30 as 18h
Sábados e Domingos: 9h as 12h – 14h as 18h

Telefone para contato: (47) 3535-0229.