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Apesar de certos avanços, o texto do Código Florestal aprovado pelo Senado Federal e que se encontra na Câmara dos Deputados para apreciação final, continua representando o maior retrocesso ambiental da história do Brasil. A impossibilidade de uma discussão séria sobre o tema e as atitudes extremadas dos ruralistas, que visam única e exclusivamente “livrar a cara” de quem desmatou ilegalmente, fez com que organizações da sociedade civil, não apenas as ONGs ambientalistas, mas a SPBC, OAB, CNBB, entre outras, deflagrassem uma campanha pelo veto presidencial ao texto. A campanha tem como objetivo cobrar da Presidente o cumprimento dos compromissos por ela assumidos durante a campanha eleitoral, de “não sancionar anistias a desmatamentos ilegais, não reduzir as áreas de preservação e não incentivar novos desmatamentos”.

O texto do Senado contempla anistias, redução de áreas de preservação e estímulo a novos desmatamentos. A seguir apenas alguns dos pontos problemáticos:

1 – A definição de área rural consolidada (art. 3º, IV) para permitir a continuidade de atividades agropecuárias que desmataram áreas de preservação permanente (APPs) até julho de 2008 (art. 61). Isso constitui anistia nos casos de desmatamento de APPs. Esses desmatamentos são crimes ambientais desde a entrada em vigor da Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente 9605/98, contrariando o art. 225 da Constituição.

2 – A permissão para a continuidade (art. 65) de todas as atividades de carcinicultura (criatórios de camarão) ilegalmente implantados em apicuns e salgados, áreas que integram o ecosssitema manguezal. Prevê ainda a permissão de utilização para carninicultura (art.12) de mais 35% dos apicuns e salgados na Mata Atlântica e 10% na Amazônia. Isso reduz a área de proteção dos manguezais e anistia ocupações ilegais ocorridas até a data da entrada em vigor da lei.

3 – Eliminação da necessidade da manutenção de APP em lagoas naturais com menos de 1 hectares de lâmina d’água( § 4º,art. 4º), reduz a área de proteção  e permitirá desmatamentos em áreas que hoje são consideradas de preservação permanente.

4 – A redução da obrigação de recuperação de APPs ao longo dos rios (art.62) comopor exemplo, de 30 para 15 metros nos rios até 10 metros de largura, prevista para todos os tamanhos de imóveis e não apenas para os rios em pequenos propriedade rurais como vinha sendo discutido.

5 – A anistia de recomposição de Reserva Legal em imóveis com até 04 módulos fiscais (art. 69). Reduz proteção e tratará desigualmente os que cumpriram a lei e os que infringiram a lei, beneficiando os infratores em detrimento dos que respeitaram a Lei. O art. 69 é uma das maiores aberrações jurídicas do texto, pois premia o “ruralista desmatador” tornando-o “mais igual” perante a lei do que o agropecuarista que cumpriu a lei e preservou a vegetação. Ou seja, pode-se dizer que: quem tinha “escravo” tem autorização eterna (inclusive para seus filhos e netos) para manter “escravo”. Em outras palavras, quem degradou o meio ambiente tem autorização para continuar degradando e prejudicando a vida alheia.

6 – O artigo que reduz a reserva legal em estados com mais de 65% de seu território em Unidades de Conservação e Terras Indígenas será usado para autorizar novos desmatamentos. O próprio Governo do Amapá, um dos estados atingidos, já se manifestou contrário a este artigo.

Para piorar, o relator ruralista Paulo Piau apresentou relatório com 29 mudanças ao texto. Com isso ele pretende anular todos os avanços negociados no Senado.  Tudo isso, somado às chantagens patrocinadas publicamente pelos ruralistas e por parte da base do governo mostra que é hora de mobilização geral contra os retrocessos na legislação ambiental. O mais sensato neste momento, como o próprio governo já sinalizou, é adiar a votação e a Presidente Dilma assinar os dois decretos que já estão prontos desde o tempo em que ela era Ministra da Casa Civil. Estes decretos solucionam as principais reivindicações dos pequenos produtores, sem dar anistia a multas dos grandes produtores, sem reduzir áreas de preservação permanente e Reserva Legal e sem permitir novos desmatamentos.

 

Autores: Miriam Prochnow, 47 anos, Pedagoga e Ambientalista. É Coordenadora de Políticas Públicas da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida e Secretária Executiva do Diálogo Florestal. Tem trabalhado na área ambiental há mais de 25 anos. Wigold B. Schaffer, 52 anos. Administrador e Ambientalista. Trabalha há mais de 25 anos com políticas públicas ambientais e ações de conservação e recuperação da Mata Atlântica. Ex-coordenador do Núcleo Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente.