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Ela é uma das mais aguerridas ambientalistas brasileiras. Muito jovem, fundou com seu marido, Wigold Schäffer, a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), no Alto Vale Itajaí, interior de Santa Catarina. Isso foi nos anos 1980, quando caminhões madeireiros eram fáceis de encontrar nas estradas da região, levando embora as florestas de araucárias que, por muito pouco, não sucumbiram totalmente. A atuação de Miriam à frente da associação e de várias outras organizações, como a Rede de ONGs da Mata Atlântica, da qual foi coordenadora geral por quatro anos, teve muito a ver com essa reversão de expectativa.

O trabalho da pedagoga e ecologista de 55 anos, fosse denunciando e fazendo campanhas, educando, informando e plantando árvores, ou atuando politicamente e empreendendo articulações, colaborou para que a Mata Atlântica seja, hoje, o único bioma brasileiro a ter uma lei específica e sua recuperação, em que pese as atuais forças em contrário, esteja em curso.

Ela também foi secretária-executiva do Diálogo Florestal Brasileiro, articulação entre empresas ligadas à área de papel de celulose e a sociedade civil, que ajudou a transformar o setor em referência mundial em produção com respeito ao meio ambiente. Também foi uma das idealizadoras do Centro de Apoio Socioambiental, cujo objetivo é apoiar pequenas organizações com potencial para fazer a diferença em prol de um desenvolvimento mais justo e sustentável no país, como foi a Apremavi.

Miriam fez tudo isso enfrentando as dificuldades que ativistas na linha de frente sofrem no Brasil. Perseguições e ameaças de morte foram uma constante em sua vida e na de Wigold. Os dois precisaram apelar à Anistia Internacional e ao Ministério Público Federal para que tivessem proteção policial. Mesmo reconhecidos internacionalmente, os tempos difíceis parecem estar de volta para eles. Em 2013, Wigold foi baleado na mão por um caçador que invadiu a propriedade do casal. E, desde o final do ano passado, ameaças voltaram a ser feitas a Wigold, agora via WhatsUpp.

Conheci Miriam em 1993, quando fui contratada para desenvolver a área de comunicação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, que acabava de ser criada. Ela era uma das coordenadoras. Desde então, acompanho sua trajetória, marcada por um idealismo incondicional, que se estende por toda a família, inclusive as filhas, Carolina e Gabriela, que sempre encararam como privilégio dividir os pais com causas ambientais. No ano passado, eles me convidaram para escrever o livro em celebração aos 30 anos da Apremavi e tive o privilégio de conhecer ainda mais de perto o ativismo e as realizações do casal.

Nesta entrevista – que inaugura o blog Mulheres Ativistas, aqui, no Conexão Planeta – Miriam fala sobre seus propósitos e motivações. Para ela, o ativismo é cada vez mais necessário para conter as ameaças à democracia que rondam o país e, sobretudo, as ameaças climáticas, que podem comprometer o futuro em todo o mundo. Como mulher, ainda acrescenta a defesa de causas específicas como garantir a participação política feminina e o direito de assumir seus cabelos brancos.

Quando você começou a se ver como ativista?

Lembro que, quando era criança, tinha uma ligação muito forte com animais. Sempre ficava apreensiva quando via bicho doente, abandonado, mas não tinha poder nenhum, a não ser chorar, me indignar e ficar triste. Uma das primeiras ações que realizei foi uma greve de fome ao ver meu pai chegar em casa com um bicho que acabara de caçar. Nunca concordei com isso, mesmo que na época fosse comum. Disse que não iria comer. Insisti tanto que ele parou de caçar.

Meu pai também tinha atuação comunitária muito forte, foi fundador de clubes, associações da cidade, e minha mãe sempre se mostrou atenta a quem precisava e doava alimentos que plantava ou que não consumíamos.

Cresci vendo a importância da interação e da colaboração com a comunidade.

Na época da escola, já me indignava com injustiças. Diziam que eu era a defensora dos fracos e oprimidos. Fiz parte da Comissão Municipal de Saúde, ainda no ensino médio, quando fazia visitas à comunidade. A debandada para o ativismo ambiental veio quando eu e Wigold nos casamos e fomos morar em Ibirama, cidade onde o desmatamento da Mata Atlântica era flagrante. Era uma jovem adulta quando defini que isso pautaria minha profissão.

Como essa decisão se concretizou?

Criamos a Apremavi e fui sua primeira presidente. Ainda dava aulas, mas rapidamente percebemos que, para fazer um bom trabalho, precisaria me dedicar em tempo integral. Nos primeiros cinco anos, fui voluntária, até conseguirmos ter um orçamento e eu me tornar a primeira funcionária da organização.

Fui contratada como ecologista. Não sei dizer se mais alguém foi contratado com esse cargo no país. A partir daí, o próprio lema da Apremavi – boca no trombone e mão na massa – me norteou. Sempre achamos que é necessário fazer denúncias, atuar com enfrentamentos, mas mostrando como as coisas têm que ser feitas. Acho que ativismo é isso: mostrar o que precisa mudar e oferecer alternativas. A Apremavi nasceu no meio do nada e, hoje, é referência nacional e internacional por conta dessa forma de atuar.

Alguma vez sentiu dificuldade à frente da ONG por ser mulher?

Ser mulher traz dificuldades, mas acho que, desde o começo, consegui impor respeito, sempre respondi à altura. Sou competente no que faço e trabalho para o bem comum, não tem como me desqualificar. Não significa que foi fácil.

Até hoje, publico textos no meu perfil pessoal (fechado) e no de figura pública (totalmente aberto) e convivo com comentários que me dizem que ‘agora vai acabar a mamata’. Não sei em que mundo essas pessoas vivem e me indigna, depois de 30 anos de trabalho, ver esse tipo de comportamento.

Também participei de reuniões onde era a única mulher entre mais de 30 homens. Mas não fiz tudo sozinha, tenho minha família, o Wigold, que é parceiro no ativismo, tão ativista quanto eu, minhas filhas, um núcleo de amigos, o pessoal da Apremavi.

A gente precisa se cercar de pessoas com missão e ideais parecidos. Sem isso, nada vai para frente. Ativismo ambiental envolve assuntos desagradáveis, como desmatamento, caça, poluição. E somos uma ameaça porque ser contra a destruição do bem comum bate de frente com o status quo. Tem que ter de onde se alimentar energeticamente para poder continuar.

E como está o ambientalismo, hoje, com tantos retrocessos e a perseguição oficial às ONGs?

Eu e Wigold chegamos a pensar, pouco antes disso tudo começar a acontecer, que tinha chegado o momento de nos retirarmos da linha de frente, diminuir nossas atividades, escolher o que mais gostávamos de fazer, trabalhar mais no jardim, viajar… Aí, a conjuntura caiu nas nossas cabeças e concluímos que este momento ainda não chegou.

A situação está tão complicada que, para mim, é claro que ativismo e mobilização são a primeira coisa da lista. Então, voltamos ao que fazíamos há 30 anos: trabalhos de educação ambiental com professores, palestras, apoiando fortemente um grupo de jovens em Atalanta, produzindo conteúdo para redes sociais…

Um trabalho especial para o engajamento de jovens em mobilizações pelo clima é uma das prioridades. Também voltamos a áreas que foram reflorestadas com programas da Apremavi e temos tido surpresas maravilhosas com as pessoas que plantaram florestas. Elas estão super engajadas e comprometidas, defendem a Ciência, combatem mentiras, alertam pessoas de que precisam buscar o compromisso com a verdade e se comprometer com a comunidade… Temos feito alguns movimentos e estamos vendo como intensificar cada um deles.

Não temos muito tempo para articular porque o ponto de inflexão precisa ser rápido, antes que seja tarde. A democracia e a garantia de direitos estão ameaçadas no Brasil e, por conta da crise ambiental, temos um grande risco mundial. Por isso o ativismo não pode se aposentar.

Como o ativismo, seu e de Wigold, influenciou suas filhas?

Creio que aconteceu de maneira natural. Por nos envolvermos com essas questões o tempo todos e também por elas terem passado por situações difíceis como as ameaças de morte que sofremos. E, desde o ano passado, isso voltou a acontecer com o Wigold, pelo WhatsAp.

A Carolina trabalha na área ambiental e a Gabriela com saúde, muito ligada ao parto humanizado, ao empoderamento feminino e aos direitos LGBT.

Acredita que os jovens estão motivados para serem ativistas?

Acabo de voltar de um congresso da IUCN – International Union for Consevation of Nature no Paraguai e a abordagem, hoje, é se trabalhar intergeracionalmente, ou seja, estimular que a juventude participe, que mais mulheres participem, os mais velhos… Para eles, a visão intergeracional de colaboração, troca de saberes, é fundamental para prosseguirmos.

Em sua trajetória, você também atuou na política. Por que seguiu esse caminho?

Fui uma das fundadoras do Partido Verde (PV), em Santa Catarina. Em 1988, em Ibirama, participei da primeira chapa formada apenas por mulheres no país: eu era candidata à prefeita e a vice também era mulher. Na época, a Folha de S. Paulo fez uma reportagem sobre isso. E o Wigold foi candidato a vereador.

Novamente, percebemos que precisávamos dedicar mais tempo à Apremavi, mas o envolvimento com a política e o partido continuou existindo, com menos intensidade, não como candidatos.

Só que eu já tinha sido conquistada pela vida política e não teve jeito: em 2010, ainda pelo PV, atendi a um pedido da Marina Silva para criar um grupo de apoio à sua candidatura à presidência e me candidatei à deputada federal. Em seguida, fui uma das fundadoras da Rede Sustentabilidade no estado e, em 2018, me candidatei ao Senado.

Percebi que isso também é ativismo, porque sem mudar a política institucional, não se muda mais nada. Estamos vendo a diferença que fazem os deputados e senadores comprometidos, mesmo que sejam poucos. E a Rede elegeu a primeira deputada federal indígena da história do Brasil, que tem feito grande diferença e apoiado muito bem a causa: em abril, relançou a Frente Parlamentar dos Povos Indígenas.

Você aderiu aos cabelos grisalhos e fala disso como uma causa. É isso?

Participo da onda prateada, assumindo meus cabelos brancos, paulatinamente, nos últimos anos. A maioria das pessoas me vê com outros olhos – acham que tenho 80 anos -, ao mesmo tempo que acham bacana e passam a enxergar um outro ponto estético.

É fato que cada vez mais mulheres assumem essa característica do envelhecimento, mas ainda são poucas. É um momento libertador, mas algumas mulheres ainda não aceitam. Homens também.

Fora do Brasil, esse movimento é maior. E ainda tem um detalhe: as que aderem são mulheres mais ligadas mais à natureza, ao que é natural, ao bem-estar. Sim, também é uma forma de ativismo.

 

 

Autora: .
Fonte: Conexão Planeta.