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A luta pela defesa da Mata Atlântica é um dos ícones da luta ambiental no Brasil. Foi a Mata Atlântica que recebeu os colonizadores e desde então tem sofrido com o processo de crescimento econômico do país, que nada tem a ver com desenvolvimento sustentável.

É inegável que o trabalho dos ambientalistas em prol de sua proteção e restauração tem obtido sucesso. Hoje temos uma legislação robusta, que é respeitada. A Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), sancionada após 14 anos de tramitação, é uma lei que “pegou”. As pessoas sabem que precisam respeitar.

A Fundação SOS Mata Atlântica e o INPE apontam que hoje restam apenas 12,4% de remanescentes florestais na Mata Atlântica em áreas acima de 3 hectares e somente cerca de 8% são remanescentes acima de 100 hectares, aquelas áreas mais bem conservadas e que incluem os parques e reservas. Os dados também mostram que houve uma redução de 64% no desmatamento do bioma após a aprovação da Lei 11.428/2006, passando de uma média de 34.313 ha desmatados em 2006 para 12.562 ha em 2017. Apesar de ainda elevado em alguns estados (PI, MG, BA e PR somam 82% de todo o desmatamento), a queda do desmatamento nos outros 13 estados inseridos na Mata Atlântica é superior a 90%, indicando a eficácia da lei.

Os índices de forma geral, ainda não são os melhores, porque apesar de podermos comemorar a queda do ritmo de desmatamento, ainda temos desmatamentos acontecendo, o que é inaceitável. Mesmo que hoje por exemplo, 7 estados praticamente zeraram seus índices. Além disso, são pouquíssimos os remanescentes que apresentam vegetação primária, que nunca foi mexida.

A maioria dos remanescentes existentes são compostos por florestas de onde foram retiradas todas as árvores grandes das espécies nobres ou então florestas em regeneração, onde as espécies nobres ainda não chegaram. Outra grande preocupação é o que chamamos de síndrome da floresta vazia, que são as florestas sem os animais. Ou seja, são poucos os atuais remanescentes capazes de manter a vida de animais de médio e grande porte. Sem falar na caça, que ainda existe e na verdade com tendência a aumentar, visto que existe um lobby para a sua liberação, inclusive através de projeto de lei na Câmara Federal.

Iniciativas para autorizar desmatamento ou destruição do pouco que restou da Mata Atlântica são recorrentes por parte de alguns parlamentares e também de setores do governo de estados como Santa Catarina e Paraná, que muitas vezes ignoram a Lei da Mata Atlântica ou buscam subterfúgios para burlar as diretrizes por ela estabelecidas. Essas iniciativas vem sendo barradas com a intervenção da sociedade civil organizada, do Ministério Público e do Judiciário. A exemplo da Lei Estadual nº 15.167/2010, que permitia o corte e exploração comercial da floresta com araucárias, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Igualmente, a recorrente prática da Secretaria do Meio Ambiente e do Instituto Ambiental do Paraná que vinham autorizando ilegalmente o corte e exploração de araucárias foi barrada por intervenção do Ministério Público do Paraná.

No caso da Floresta com Araucária, sua espécie símbolo, o pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), foi tão explorada e reduzida que hoje sofre as consequências de uma forte erosão genética, conforme apontam diversos estudos científicos. O fenômeno é causado pela falta de conexão entre os poucos remanescentes naturais da floresta. Quando as espécies encontram muitos obstáculos para se comunicar e enviar o pólen de um fragmento ao outro, acontece a endogamia, que é o cruzamento com exemplares que tem parentesco entre si. Isso diminui drasticamente a variabilidade genética da floresta. A tendência dessa situação é que algumas populações de araucária, desprovidas de certos atributos genéticos, enfrentem sérias dificuldades para se adaptar mesmo em seus ambientes de origem, podendo até ser extintas.

Não é por acaso que as espécies mais exploradas da floresta com araucárias como o pinheiro-brasileiro, a imbuia (Ocotea porosa), a canela-sassafrás (Ocotea odorifera) e o xaxim-mono (Dicksonia sellowiana), estão na lista das espécies ameaçadas de extinção. Somente a proibição da exploração e a conservação dos ecossistemas podem minimizar a perda genética.

Por outro lado, é notório que a restrição à exploração comercial das espécies madeireiras, que já perdura há mais de 10 anos, está dando uma chance para a Mata Atlântica iniciar um lento processo de recuperação de sua estrutura e biodiversidade. Essa recuperação deve ainda levar décadas em razão do reduzido percentual de remanescentes espalhados em milhares de fragmentos isolados e, a maioria deles, altamente degradados por exploração madeireira predatória no passado.

Portanto, além de não haver qualquer amparo legal, iniciativas para reabrir manejo, exploração ou corte de espécies nativas da Mata Atlântica não possuem nenhuma justificativa técnico/científica dado a reduzida área remanescente do bioma e a situação limite, em termos de viabilidade ambiental, de suas espécies vegetais, muitas delas submetidas a acelerada erosão genética.

Outro fato preocupante é que ainda existe uma visão de que a Mata Atlântica é somente floresta e muitos acham que só precisam respeitar as florestas. Aí os ecossistemas como as restingas, manguezais e campos de altitude ficam desprovidos dessa preocupação de proteção por parte de parcelas da sociedade. Nos estados do Sul os campos de altitude tem sofrido muito e sua conservação está por um fio. Estão ameaçadíssimos. Para piorar a situação, tramita no Senado Federal, um projeto de lei (PL 194/2018) que pretende tirar os campos nativos da proteção legal da Lei da Mata Atlântica. Essa iniciativa precisa ser combatida fortemente e com urgência.

Apesar de fragilizados, os remanescentes de vegetação da Mata Atlântica desempenham ainda importantes funções ecológicas e fornecem serviços ambientais essenciais para aproximadamente 140.000.000 de brasileiros. A conservação da Mata Atlântica e sua restauração é extremamente importante para a qualidade de vida de 70% dos brasileiros que dependem da água protegida pelos  remanescentes. Além disso, os remanescentes são essenciais para a manutenção da biodiversidade, a amenização do clima e a proteção contra os desastres ambientais. Do ponto de vista climático, a Mata Atlântica também tem um grande destaque porque as ações de restauração e regeneração significam números valiosos na questão de sequestro de carbono.

O que mantém a nossa esperança é que o contingente de pessoas que estão plantando árvores, para restaurar florestas aumenta a cada dia. Somos um grande time de plantadores de florestas. E plantadores de florestas são pessoas felizes, que não param de plantar. Que já fazem a diferença e ainda irão fazer muito mais. Também cresce a cada dia o número de pessoas que realmente conservam os remanescentes de vegetação nativa em seus imóveis, pois já entenderam que eles são importantes para as atividades econômicas, seja na agricultura, pecuária ou indústria.

Temos muito a fazer em termos de restauração, mas também ainda temos muito a fazer em termos de conservação da Mata Atlântica, porque ainda temos muitas áreas a serem protegidas. Estamos longe de atingir os índices da convenção da diversidade biológica que exige no mínimo 17% de áreas em Unidades de Conservação. Na Mata Atlântica, excluídas as APAs, temos menos de 3% em UCs.

Eu acredito que a Mata Atlântica ainda irá contribuir muito para a virada da sustentabilidade. Se levarmos em conta que pessoas em contato com a Natureza, são pessoas que tem uma visão diferente do mundo e que mais de 70% da população brasileira vive na Mata Atlântica, esse é um dos caminhos que temos que seguir. Estimular as pessoas a conviverem mais com a natureza e simplificarem o seu modo de vida, sendo mais saudáveis e felizes.