Artigo de Marcio Santilli, publicado no site do Instituto Socioambiental, demonstra bem o momento que estamos vivendo na discussão do Código Florestal na Câmara dos Deputados.
É estarrecedor constatar que, após mais de 25 anos de regime democrático, a Câmara dos Deputados promova discussão e votação de um tema essencial, como a reforma do Código Florestal, sem que os deputados tenham conhecimento da proposta em apreciação.
Exerci um mandato legislativo no período de transição para a democracia. O Congresso só então recuperava as suas prerrogativas e não dispunha, sequer, do poder de emendar o orçamento (as hoje famosas emendas parlamentares). No entanto, quando adentrávamos o plenário para votar, lá havia um “avulso” (caderninho impresso) com os textos na íntegra de todos os projetos de lei, emendas e demais proposições legislativas que seriam objeto de deliberação. Os deputados, a menos que não se dessem ao trabalho de ler, sabiam exatamente o que deveriam discutir e votar. Os projetos de lei, ou substitutivos de relator, eram previamente lidos, abria-se, então, o prazo para a apresentação de emendas, havia prazo estabelecido para o parecer do relator sobre as emendas e, ainda, prazo para a proposição de destaques para votação em separado.
Mas, o que temos visto nas últimas semanas (não sei se meses ou anos) é a absurda situação de deputados discutindo horas a fio sobre propostas de conteúdo ignorado, líderes que negociam acordos que, simplesmente, são burlados por um relator todo-poderoso, que apresenta em cima da bucha um parecer formulado obscuramente, mesmo se tratando de matéria sensível, polêmica e de grande interesse para toda a nação.
Fica mais do que evidente que o processo legislativo está deteriorado, sujeito a qualquer manipulação, submetendo o parlamento a situações vergonhosas como a que vimos na noite de ontem (quarta-feira, 11/05/11), quando da (não) votação do Código Florestal. Urge rever o regimento interno da Câmara dos Deputados, assim como os procedimentos que deputados e relatores devem adotar para o exercício democrático da atividade parlamentar.
E não tenho como deixar de expressar a minha profunda decepção com o deputado Aldo Rebelo, relator da matéria, que após uma atuação tortuosa desde o início deste processo, em que rifou a sua própria história de militante progressista para afundar numa abordagem reacionária e predatória da principal lei florestal brasileira, ainda ofendeu a nação com alterações obscuras de última hora em um texto previamente acordado com o governo e lideranças e, quando flagrado nesta atitude desonesta, atreveu-se a insultar a ex-senadora Marina Silva, muito mais representativa do que ele dos anseios do povo brasileiro, com falsas alegações sobre o seu marido, num ato grotesco e inaceitável de baixaria pública que caracteriza, a bem da verdade, falta de decoro parlamentar.
Embora eu acredite que o parlamentarismo é a menos pior forma de governo e que o parlamento é (seria) a principal instituição do regime democrático, tenho também que reconhecer, à luz do ocorreu ontem no plenário da Câmara, que ainda será preciso muito tempo e profundas reformas no sistema político e eleitoral brasileiro para que a democracia alcance esse desejável patamar. Até lá, será imprescindível que se mantenha o instituto do veto presidencial como forma de corrigir os desvios de um Congresso que não seja capaz de interpretar a vontade majoritária da população que o elege e que, no caso, não deseja a destruição das florestas brasileiras.
Autor: Marcio Santili.