Com o “novo” Código Florestal as Áreas de Preservação Permanente viraram áreas de plantação permanente. Marcio Santilli explica.

 

O Código Florestal que vigorou até a última sexta-feira contemplava a figura das APPs – Áreas de Preservação Permanente. Ela se prestava à proteção das áreas mais sensíveis do ponto de vista florestal: nascentes, beiras de rios, áreas úmidas, inundáveis, ou com alta declividade e sujeitas a desabamentos, topos de morro, manguezais.

A lei promulgada para substitui-lo, já remendada por uma Medida Provisória, segue falando em APP, mas não como área destinada à proteção da biodiversidade, das águas, do solo ou à recuperação florestal. Dela poderão ser feitos vários usos, mesmo que sabidamente incompatíveis com a sua conservação. De “preservação permanente” só restou o nome, como exercício de dissimulação.

O Código revogado atribuía a todos responsabilidades similares e proporcionais: faixa mínima de 30 metros de floresta nas margens de rios, percentual mínimo de 20% de reserva legal para todos, de modo que quem tem muita terra teria mais área a proteger. A nova lei cria várias diferenças entre os que deveriam ser iguais: quem cumpriu a lei anterior e manteve a cobertura florestal das áreas previstas terá que mantê-la sob a nova lei. Mas só excepcionalmente terão que ser reflorestadas as áreas de mesmo tipo anteriormente desmatadas, mesmo que de forma flagrantemente ilegal.

Além disso, haverá propriedades, até quatro módulos fiscais, isentas de recuperar reservas legais. Todas passarão a computar as áreas de “preservação permanente” no percentual de reserva legal, de modo que só excepcionalmente ocorrerá recuperação efetiva de reservas legais. O cômputo e a aferição de diferenciadas responsabilidades florestais tornará quase impossível o controle pelos órgãos ambientais do efetivo cumprimento da lei.

Ao apor seus vetos à lei votada pelo Congresso, inclusive ao dispositivo que fragilizava a proteção das APPs, a presidente repôs, por meio da referida medida provisória, a discussão sobre a extensão mínima das matas ripárias a ser recuperada, também estabelecendo tratamentos diferenciados: 30 metros para propriedades maiores e de 15 a 5 metros para as menores, podendo chegar a nada se houver mais de 10% da extensão da propriedade já protegida a outro título.

Mas a grande surpresa da nova MP é que, agora, fica liberada a plantação de espécies exóticas para a recuperação de APPs em propriedades de até quatro módulos. Aplicadas todas as liberalidades da nova lei, se restar algo a recuperar, basta plantar eucaliptos ou pinus. Uma área de exploração permanente.

Assim, a discussão sobre extensão de APP que prosseguirá no Congresso, em vista da edição da MP, será retomada em outro patamar: qual a extensão da plantação de eucalipto que cada um terá que fazer sobre suas nascentes e margens de rios para ficar de acordo com a lei?

Todos já sabíamos que a sensibilidade da presidente Dilma para com as questões socioambientais estava abaixo da média nacional. Se é isto que ela introduz, de moto próprio, em uma lei já detonada pelo Congresso sob protestos da população, às vésperas de uma Rio+20, o que esperar do resto do seu governo?