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Reconfortante ler esse balanço de Leonardo Boff, sobre os sinais das mudanças transformadoras que precisamos cultivar de brotos em árvores frondosas. O texto nos encontrou em meio a uma atividade que costumamos fazer nos feriados de final de ano: “limpar” sementes de ingá-macaco, para fazer mudas. A limpeza da semente, nada mais é do que comer o ingá e guardar a semente para que possa ser plantada. Em meio à atividade sempre sobra tempo para brincadeiras divertidas, como a de fazer grandes sorrisos. Sorrisos que pontam os novos caminhos da transformação.

 

Texto de Leonardo Boff, publicado no dia 05 de janeiro de 2013, em seu Blog.

Desde Santo Agostinho (“em cada homem há simultaneamente um Adão e um Cristo”),  passando por  Abelardo (“sic et non”), por Hegel e Marx e chegando a Leandro Konder sabemos que a realidade é dialética. Vale dizer, ela tem contradições  porque os opostos não se anulam mas se tencionam e convivem permanentemente gerando dinamismo na história. Isso não é um defeito de construção mas a marca registrada do real. Ninguém melhor o expressou que o pobrezinho de Assis ao rezar: ”onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver trevas que eu leve a luz, onde houver erros que eu leve a verdade…” Não se trata de negar ou anular um dos polos, mas de optar por um, o luminoso e reforçá-lo a ponto de impedir que o outro negativo não seja  tão destrutivo.

A que vem esta reflexão? Ela quer dizer que o mal nunca é tão mau que impeça a presença do bem; e que o bem nunca é tão bom que tolha a força do mal. Devemos aprender a negociar com estas contradições. Num artigo anterior tentei um balanço do macro, negativo; assim como estamos, vamos de mal a pior. Mas dialeticamente há o lado positivo que importa realçar. Um balanço do micro nos revela que estamos assistindo, esperançosos, ao brotar de flores no deserto. E isso está ocorrendo por todas as partes do planeta. Basta frequentar os Fórums Sociais Mundiais e as bases populares de muitas partes para notar que vida nova está explodindo no meio das vítimas do sistema e mesmo em empresas e em dirigentes que estão abandonando  o velho paradigma e se põem a construir uma Arca de Noé salvadora.

Anotamos alguns pontos de mutação que poderão salvaguardar a vitalidade da Terra e garantir  nossa civilização.

O primeiro é a superação da ditadura da razão instrumental analítica, principal responsável pela devastação da natureza, mediante a incorporação da inteligência emocional ou cordial que nos leva a envolvermo-nos com o destino da vida e da Terra, cuidando, amando e buscando o bem-viver.

O segundo é o fortalecimento mundial da economia solidária, da agroecologia, da agricultura orgânica, da bioeconomia e do ecodesenvolvimento, alternativas ao crescimento material via PIB.

O terceiro é o ecosocialismo democrático que propõe uma forma nova de produção com a natureza e não contra ela e uma necessária governança global.

O quarto é o bioregionalismo que se apresenta como alternativa à globalização homogeneizadora, valorizando os bens e serviços de cada região com sua população e cultura.

O quinto é o bem viver dos povos originários andinos que supõe a construção do equilíbrio entre seres humanos e com a natureza à base de uma democracia comunitária e no respeito aos direitos da natureza e da Mãe Terra ou o Indice de Felidadade Bruta do governo do  Butão.

O sexto é a sobriedade condividida ou a simplicidade voluntária que reforçam a soberania alimentar de todos, a justa medida e a autocontenção do desejo obsessivo de consumir.

O sétimo é o visível protagonismo das mulheres e dos povos originários  que apresentam um nova benevolência para com a natureza e formas mais solidárias de produção e de consumo.

O oitavo é a lenta mas crescente acolhida das categorias do cuidado como pré-condição para realizar uma real sustentabilidade. Esta está sendo descolada da categoria desenvolvimento e vista como a lógica da rede da vida que garante as interdependências de todos com todos assegurando a vida na Terra.

O nono é penetração da ética da responsabilidade universal, pois todos somos responsáveis pelo destino comum nosso e o da  Mãe Terra.

O décimo é o resgate da dimensão espiritual, para além das religiões, que consente nos sentir parte do Todo, perceber a Energia universal que tudo penetra e sustenta e nos faz os cuidadores e guardiães da herança sagrada recebida do universo e de Deus.

Todas estas iniciativas são mais que sementes. Já são brotos que mostram a possível florada de uma Terra nova com uma Humanidade que está aprendendo a se responsabilizar, a cuidar e a amar, o que afiança a sustentabilidade deste nosso pequeno Planeta.

Veja L.Boff e M.Hathaway  O Tao da Libertação: explorando a ecologia da transformação (Vozes 2012)